OS CONTRATOS DE PATROCÍNIO NO FUTEBOL E A VEICULAÇÃO DAS MARCAS

Por Gabriel Delbem Bellon¹

Membro Filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo

Conhecido como uma das maiores e mais tradicionais fontes de renda dos clubes de futebol, ao lado dos valores recebidos provenientes da negociação dos direitos de transmissão das partidas, o patrocínio possui relação direta e intrínseca ao futebol nacional e internacional.

Historicamente, o Eintracht Braunschweig, foi o primeiro a utilizar patrocínio na camisa² em 1973, pois, até então, nenhum clube alemão podia estampar qualquer patrocínio em sua indumentária, por vedação da entidade máxima do futebol daquele país.

O Eintracht Braunschweig, inseriu a logomarca da cervejaria Jägermeister em seu uniforme em um projeto de marketing ambicioso para época, o qual, atualmente, poderia ser considerado case de sucesso.

Na ocasião, a camisa do clube não contava com seu escudo, fazendo da imagem do patrocinador a única presente. A divulgação da marca rendia cerca de 10 (dez) mil marcos anuais, e a parceria se encerrou em 1988. Concluído projeto pioneiro e assegurado o sucesso da experiência no mercado de marketing esportivo, diversos clubes passaram a estampar as logomarcas de seus patrocinadores em suas camisas.

No Brasil, o Conselho Nacional de Desportos autorizou a divulgação de marcas nos uniformes dos clubes em 1982 apenas nas costas, incialmente, sobre o número. Já no ano seguinte, o espaço frontal foi permitido³.

Parcerias longevas e bem-sucedidas não são raridade no futebol. Patrocínios marcantes e polêmicos recheiam a história do esporte mais popular do mundo. A título exemplificativo, podemos citar a Internazionale, por exemplo, que desde 1995 tem suas camisas vinculadas à fabricante de pneus Pirelli[fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][4].

Por outro lado, um dos momentos mais icônicos do futebol nacional ocorreu em 2000. Nesta oportunidade, o Clube de Regatas Vasco da Gama, divulgou a logomarca do Sistema Brasileiro de Televisão, conhecido como SBT, em seu uniforme como forma de afrontar a detentora dos direitos de transmissão da então Copa João Havelange, a Rede Globo de Televisão[5].

Podemos relembrar aqui inúmeras companhias e clubes que juntos fizeram sucesso, dentro e fora de campo, conquistando títulos e momentos inesquecíveis para o futebol brasileiro, como Fluminense Football Club e Unimed, Sport Club Corinthians Paulista e Suvinil, Sociedade Esportiva Palmeiras e Parmalat, São Paulo Futebol Clube e a coreana LG.

Adentrando ao mundo do direito, temos que o patrocínio se refere a uma relação jurídica essencialmente cível, prevista e regulamentada pela Lei no 10.406 de 2002, conhecida como Código Civil, o qual, a partir do artigo 421[6], detalha as disposições gerais e de formação dos contratos.

Celebrado em linhas gerais por duas partes, clube patrocinado e companhia patrocinadora, o contrato de patrocínio possui como objeto o estabelecimento das condições comerciais e técnicas para promoção da veiculação da logomarca da companhia investidora nas camisas do clube e/ou em outras propriedades de marketing deste.

A divulgação da marca pode variar de tamanho e possuir cores específicas de acordo com o quanto negociado pelas partes interessadas. Sua exposição, em regra, é direcionada ao cotidiano de atividades da entidade de prática desportiva, em ambiente que proporcione grande visibilidade para o patrocinador.

Por se tratar de uma relação essencialmente cível como acima demonstrado, o vínculo resultante do patrocínio deve atender jurídica e economicamente a ambas as partes contratantes, caso contrário, o negócio pode estar fadado ao insucesso. Daí extraímos a importância de uma redação simples, porém precisa, das cláusulas deste instrumento em todos os aspectos.

Neste sentido, não há que se falar aqui apenas no interesse do clube, mas sim, de avenças de ambas as partes, observando-se sempre a reciprocidade. Tal qual uma relação cível de investimento financeiro tradicional, patrocinar um clube de futebol significa despender de alto montante para buscar retorno no mercado, em diversos aspectos.

Finalizado e bem descrito o objeto do contrato, entramos em outro certame delicado: o das obrigações. A liberdade de contratação garantida pela legislação tem como pilar de sustentação o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual, conforme previsto pelo parágrafo único do artigo 421 do Código Civil[7].

Assim, excepcionalmente, os contratos de patrocínio podem ser revistos pelo Poder Judiciário com a finalidade de corrigir eventuais desgastes provocados por um motivo justo que culminaram na impossibilidade do integral cumprimento das obrigações ali previstas, sem, naturalmente, deixar de lado a segurança jurídica dos contratantes.

Cumpre-nos salientar aqui que a liberdade de contratação e exposição das marcas pode ser relativizada, ainda, pelos regulamentos das entidades de organização do desporto, de acordo com seus interesses, regras e gerenciamento das competições.

Por isso, comumente encontramos cláusulas em que o patrocinador declara-se ciente de que a efetiva exploração das atividades estabelecidas pelo instrumento dependerá de autorização por parte das entidades de administração e/ou organização do desporto, tais como, a Federação Paulista de Futebol – FPF, a Confederação Brasileira de Futebol – CBF, a Federation Internationale de Football Association – FIFA, Confederação Sul-americana de Futebol – CONMEBOL, Ligas, Tribunais Desportivos e quaisquer outras entidades de administração do esporte.

O célebre artigo 927 do Código Civil diz: “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” Nesta toada, há grande preocupação dos clubes com o conteúdo fabricado e divulgado pelo patrocinador ao aliar sua logomarca aos escudos mais famosos do futebol nacional e internacional.

Se insere neste contexto as cláusulas protetivas da moral e bons costumes estabelecidos pela sociedade em geral. As partes contratantes assumem a responsabilidade integral pelo ressarcimento de eventuais danos que a exploração das propriedades cedidas por meio do contrato possa causar ao patrimônio do clube ou de terceiros diretamente interligados com a relação bilateral originária.

Vale, neste momento, uma breve digressão para refletirmos acerca de uma espécie de patrocínio debatida há um certo tempo por especialistas da área jurídica: as propagandas de cigarros e bebidas alcoólicas no universo do futebol.

Juntamente com medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, a publicidade de cigarros e bebidas alcoólicas é tratada pela Lei nº 9.294 de 1996[8], que regulamenta o artigo 220 da Constituição Federal[9]. A Lei retro mencionada é clara ao dispor que o uso e a propaganda de bebidas alcoólicas estão sujeitos às restrições e condições nela estabelecidas.

Ao considerar como bebida alcoólica “as bebidas potáveis com teor alcoólico superior a treze graus Gay Lussac”, nos termos do parágrafo único, de seu artigo 1º, da Lei nº 9.294 de 1996, não considera a cerveja para fins das restrições à propaganda pois esta bebida possui teor alcoólico inferior a 13 (treze) graus. Portanto, podemos considerar que o patrocínio de entidades esportivas, atletas, competições etc. por marcas alusivas às cervejas não possuem vedação legal.

Entretanto, ainda que o Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária – CONAR não tenha autorização legal para estabelecer uma espécie de proibição, uma vez que é uma associação privada organizada por anunciantes, agências de publicidade e veículos de comunicação e, suas decisões não possuem poder punitivo, sendo de cumprimento espontâneo, ele recomenda, mais precisamente em seu Anexo P, o que segue:

“3. Princípio do consumo com responsabilidade social: a publicidade não deverá induzir, de qualquer forma, ao consumo exagerado ou irresponsável. Assim, diante deste princípio, nos anúncios de bebidas alcoólicas:

l. não se utilizará uniforme de esporte olímpico como suporte à divulgação da marca.”

Tendo em vista o quanto acima explicitado, e, considerando que a proibição do CONAR não é de cumprimento obrigatório, podemos dizer que a veiculação de marcas de cerveja na camisa do clube pode ocorrer regularmente.

Por fim, resta evidente que a veiculação de marcas de cerveja não esbarra em empecilhos legais. Contudo, a divulgação de marcas de bebidas alcoólicas cujo teor alcoólico supera os 13 (treze) graus possui restrições legais que devem ser observadas atentamente para que o clube não sofra nenhum prejuízo econômico/financeiro, bem como de sua imagem.

A importância deste debate pode ser entendida pela alta robustez apresentada pelas propostas de patrocínio de companhias produtoras de bebidas alcoólicas. O futebol ainda é um esporte detentor de um entrave considerável para uma exposição maciça de uma marca de cerveja, por exemplo, no espaço mais valioso de uma camisa, conhecido popularmente como “patrocínio máster”, enquanto outros esportes, como a Fórmula 1, por exemplo, aufere lucros consideráveis com a exposição de uma grande marca de cerveja.

Indubitavelmente, fabricantes de bebidas alcoólicas possuem interesse e orçamento suficiente para investir vultosas quantias em um mercado consumidor estratégico como o futebol. Contudo, óbices culturais e receios legislativos acabam por frear tais investimentos.

Os valores previstos em um contrato de patrocínio podem variar substancialmente de acordo com a forma da negociação. O espaço e as demais propriedades de marketing cedidas pelas entidades de prática desportiva para exposição da marca do patrocinador são os fatores determinantes. A contrapartida de investimento financeiro, como já abordado, deve ser de interesse mútuo das partes contratantes.

Não se pode olvidar o período de vigência da parceria. Pode se considerar uma boa contratação aquela que estabelece um tempo razoável, de acordo com cada caso, para que o investimento feito pela companhia possa render os frutos esperados, assim como para o clube em relação ao recebimento dos valores acordados.

Iniciar a exposição de uma marca em competições de elevado prestígio pode ser um início promissor. Contudo, a manutenção do relacionamento em distintos aspectos se revela um desafio árduo, notadamente para os clubes que necessitam de segurança não só jurídica, mas também financeira da entrada de receitas.

Manter cordial e íntegra a parceria muitas vezes passa pelo bom tratamento das informações contratuais e cumprimento das obrigações estabelecidas pelos contratantes, as quais podem ser de naturezas diversas, tais como a confecção de uma placa de publicidade para exposição da marca do patrocinador, até a entrega de uma determinada quantidade de camisas oficiais do clube autografadas por seus atletas.

Com o escopo de minimizar problemas de vazamento de dados relevantes para os investimentos, as partes redigem as cláusulas de confidencialidade. Item muito presente nos contratos empresarias de modo geral, elas também integram os instrumentos particulares de patrocínio.

As partes assumem a obrigação de não divulgar para terceiras pessoas, alheias aos seus respectivos quadros diretivos, conselhos deliberativo e fiscal, ou grupo econômico, o teor da contratação e qualquer informação técnica, comercial ou estratégica adquirida ou levada ao seu conhecimento em consequência da parceria, incluindo-se, mas não se limitando, aos valores pagos pelo patrocinador.

Ademais, imperioso registrar que em muitos acordos a obrigação de confidencialidade imposta àspartes contratantes, é de caráter permanente, independentemente do decurso do prazo de vigência do contrato ou de sua rescisão.

Chegamos, enfim, à extinção do contrato de patrocínio. O desejo de todo contratante é ter uma relação contratual sólida (pacta sunt servanda), sem problemas e que, se tiver que se encerrar, que seja apenas pelo decurso do tempo e chegada ao termo final do instrumento. Para esta situação, dá-se o nome de extinção natural ou normal, conforme definido pela doutrina.

Todavia, é de notório conhecimento que relações se desgastam, independentemente dos motivos atribuídos e considerados. Nestes casos, excetuando-se as regras particulares celebradas entre elas e que estejam em consonância com a legislação em vigor, as partes precisam se valer das Seções[10] previstas pelo Capítulo II do Código Civil.

Mesmo em circunstâncias como estas, novos acordos são frequentemente celebrados com a finalidade de evitar o pagamento integral de eventuais multas ou sanções legais e contratuais pelo rompimento antecipado do contrato, bem como de se minimizar os efeitos negativos decorrentes do referido rompimento, seja para a companhia em relação aos seus clientes, seja para o clube em relação aos seus torcedores.

Ante todo o exposto, resta indubitável a importância do patrocínio para a manutenção da saúde financeira do futebol e do universo jurídico para sua proteção, seja para o patrocinador, o patrocinado ou por terceiros direta ou indiretamente atingidos por esta relação.

O avanço, atualização e modernização das formas de pensar o esporte e seu funcionamento estão absolutamente interligados com o modo de comportamento das empresas e como elas desejam investir. Por este motivo, as Agremiações precisam estar atentas para angariar os melhores negócios disponíveis no mercado, sempre aliando à mais adequada proteção jurídica existente.

*O conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, sendo de total responsabilidade do Autor deste texto.


¹ Advogado graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Pós Graduado em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – FGV; Pós Graduando em Direito Desportivo pela Escola Superior de Advocacia (ESA/OABSP); Mestrando em Administração de Empresas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Advogado da Federação Paulista de Futebol; e Membro Filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD.

² https://doentesporfutebol.com.br/2013/11/eintracht-braunschweig-o-primeiro-clube-a-utilizar-patrocinio-na-camisa/ e https://www.ultimadivisao.com.br/qual-foi-o-primeiro-time-a-colocar-um-patrocinio-na-camisa/

³ https://veja.abril.com.br/placar/memoria-os-primeiros-patrocinios-dos-grandes-times-brasileiros/

[4] https://www.maquinadoesporte.com.br/artigo/inter-de-milao-deve-encerrar-parceria-de-26-anos-com-pirelli_38279.html

[5] https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2019/03/12/maior-polemica-eurico-peitou-globo-e-xingou-garotinho-em-final-tragica.htm

https://www.torcedores.com/noticias/2018/05/por-que-o-vasco-usou-patrocinio-do-sbt-na-copa-joao-havelange

[6] Código Civil: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm

[7] Art. 421.  A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.

[8] https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1996/lei-9294-15-julho-1996-349045-normaatualizada-pl.html

[9] Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm

[10] CAPÍTULO II Da Extinção do Contrato – Seção I Do Distrato – Art. 472. O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato. Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte. Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos. – Seção II – Da Cláusula Resolutiva – Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial. – Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos. – Seção III – Da Exceção de Contrato não Cumprido – Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro. Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la. – Seção IV – Da Resolução por Onerosidade Excessiva – Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato. Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

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