Os entes desportivos precisam se adaptar à Lei Geral de Proteção de Dados?

Luiz Roberto Martins Castro¹

Membro Filiado ao Instituto de Direito Desportivo do Brasil (IBDD)

A nova Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei 13.709/2018), que entrará em vigor em agosto de 2020, trata da questão da governança de dados pessoais e deverá impactar todas as organizações de forma geral.

Depois dos booms de ISO 9000, ISO 27000, SOX, entre outros, a LGPD é com certeza uma das leis que maior atenção demandará de todas as empresas e associações (clubes, federações, confederações, torcidas uniformizadas e afins).

Do que trata a nova Lei?

Esta lei reproduz, em grande parte, o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR), em vigor na Europa desde 25 de maio de 2018, e cria obrigações rigorosas sobre a forma como empresas privadas e órgãos governamentais tratam as questões de privacidade e proteção de dados dos cidadãos. Informações pessoais não são apenas aquelas que identificam diretamente as pessoas físicas (como: RG, CPF, PIS/PASEP, NIT, Título de eleitor, etc), mas também aquelas que permitem a sua identificação indireta, como:  endereço, locais frequentados, data de nascimento, placa ou número de registro de veículo, informações de saúde,  dados sobre ocupação e emprego, renda mensal, perfis de consumo e risco e muito mais.

A LGPD pretende garantir mais controle por parte dos cidadãos (titulares dos dados) sobre suas informações pessoais. Ela fixa condições para coleta e tratamento de dados pessoais, que terá que ser feita de modo transparente, para uso específico para a finalidade lícita para a qual foi captado, sendo exigido que as empresas obtenham o consentimento explícito do titular para coleta e uso de seus dados, ou se enquadrar, de forma rigorosa, nas poucas hipóteses de dispensa de consentimento.

Além de ser informado sobre quais dados pessoais serão coletados, e a finalidade e limites de seu uso, os titulares poderão consultá-los, pedir a sua retificação, eliminação em alguns casos, além de sua transferência a outras empresas, até mesmo concorrentes daquelas que os possui.

A lei distingue e impõe maior rigor à coleta de dados de crianças e adolescentes, além dos chamados dados sensíveis, que são aqueles que dizem respeito à esfera mais íntima dos indivíduos, como: dados de saúde, filiação sindical, orientação sexual, política ou religiosa, que somente poderão ser coletados e tratados de maneira muito limitada e mediante autorização expressa.

Também são previstas regras que obrigam que as empresas/associações tenham controle e registro do fluxo de dados pessoais, sem esquecer que as informações detidas pelas empresas/associaçõesnem sempre são obtidas diretamente dos titulares dos dados, uma vez que grande parte dessas informações é recebida de, ou compartilhada com fornecedores, parceiros e terceiros.

Por fim, a lei prevê a criação de um órgão fiscalizador e normativo, a ANPD – Autoridade Nacional de Proteção de Dados, vinculada à Presidência da República, que expedirá regulamentos sobre a matéria e poderá aplicar sanções e multas de até Cinquenta milhões àqueles que descumprirem as suas regras, sendo estabelecida a responsabilidade solidária de todas as partes envolvida na coleta e tratamento de dados.

Os entes desportivos e a LGPD

Inquestionável que todos os clubes esportivos sociais ou não, coletam e armazenam dados pessoais de seus associados. A coleta é feita pelos clubes de diversas formas: quando solicitam o preenchimento da ficha de cadastro para aceitar a filiação de um novo sócio, quando emitem o boleto de cobrança das mensalidades, mas principalmente, quando, por estratégia de marketing buscando uma nova fonte de recurso, implementam um programa de sócio-torcedor ou, ainda, quando disponibilizam programas de veiculação de seus jogos/atividades via streaming que requerem cadastro do usuário.

Outro aspecto importante, é o fato de que muitos dos associados dos clubes, dos programas de sócio-torcedor, e principalmente, usuários dos canais de streaming são menores de idade, e assim, como já citado, a coleta de seus dados e seu respectivo armazenamento e compartilhamento demandam ainda um maior rigor.

Da mesma forma, são os clubes esportivos que possuem departamentos de categoria de base e que coletam e armazenam dados pessoais e médicos de menores (esses considerados dados sensíveis).

Confederações, federações e Ligas ao receberem a filiação de seus atletas, técnicos, médicos e etc, também acabam por coletar dados pessoais, sendo que esta coleta e seu armazenamento também deverão estar em conformidade com a LGPD.

Destaque-se que uma das informações coletadas pelas confederações/federações são  relatórios médicos dos atletas, os quais são dados sensíveis, e que como já salientado, requerem um zelo maior.

A adequação à LGPD como oportunidade de reforço da marca

A adequação à lei não pode ser vista apenas como o cumprimento de uma exigência legal, ou fonte de despesas, mas deve ser entendida como uma oportunidade de os clubes/federações evoluírem sua imagem e posicionamento, num mundo altamente conectado, onde a confiança digital é fundamental, inclusive permitindo o reforço de sua imagem e aumento de receitas em todas as suas atividades, principalmente no programa de sócio-torcedor e canais de streaming.

Não existe uma forma única, ou uma solução mágica para um clube/federação se adequar à LGPD, pois este processo se desenvolve de maneira gradual e evolutiva. Existem diversas formas de abordagem para se atingir a conformidade legal (“compliance”), sendo uma realidade a necessidade de preparação destes entes para as novas estratégias de marketing e comunicação com os seus associados/torcedores, sem gerar riscos que possam acarretar na aplicação de multas que acabariam por, até mesmo, tornar ineficaz todo o esforço de aumento de receita.

Este processo envolve ações na área jurídica e de “compliance”, com a definição de regras procedimentais e jurídicas, além da implantação das ações centradas em tecnologia da informação, com foco na gestão e governança dos dados e na automação.

O desafio é grande, mas certamente os clubes que souberem se posicionar adequadamente nesse novo cenário colherão os melhores frutos da lei!


¹ Advogado, sócio de Martins Castro Monteiro Advogados, fundador e ex-presidente do IBDD, fundador do IBDCONT, Máster em Direito Desportivo pela Universidade de Lleida, Espanha, pós graduado em Administração para Profissionais do Esporte pela FGV/SP, e em Fundamentos da Administração Esportiva pelo Instituto Olímpico Brasileiro, cursando a 1ª Edição do FIFA Diploma in Football Law.