Filipe Alves Rodrigues[1]
[1] Filipe Alves Rodrigues é advogado, formado pela UERJ, Fundador e diretor do Instituto de Gestão Esportiva, Membro filiado ao IBDD, Membro de estudos da SAF da OAB/RJ, Membro da Comissão Permanente de integridade e apostas Siga Latin America, Consultor no uso de recursos públicos para o esporte, esports e integridade esportiva.
- Introdução
No século XX, a discussão sobre a responsabilidade social, o meio ambiente, o desenvolvimento sustentável e sustentabilidade afetou os rumos do capitalismo global.
Com a profissionalização da atividade esportiva e o fortalecimento do movimento transnacional do esporte, o esporte também é repensado pela ótica sustentável.
Neste breve artigo, será explicado o que são os fatores ESG e como eles contribuem para o esporte e a sociedade. Além disso, traremos dois exemplos de preocupação sustentável no esporte e uma breve crítica do uso aético do esporte e meios de prevenção.
- Uma breve explicação sobre os fatores ESG
Neste sentido, temos dois planos que movimentam a transformação da sociedade: um plano maior, de Direito Público Internacional, liderado pela Organização das Nações Unidas (ONU), onde são criados planos de ação global, a fim de nortear as políticas públicas internacionais a favor do desenvolvimento sustentável e um microplano, onde o setor privado promove a evolução da governança corporativa como forma de garantir o aumento dos seus ativos financeiros, e mais recentemente, tendo um olhar estratégico para os impactos sociais e ambientais.
O conceito de sustentabilidade tem evoluído ao longo das décadas, passando por várias fases. É útil, fazer um breve retrospecto.
Nas décadas de 1960 e 1970 houve o surgimento das preocupações ambientais, como poluição, degradação ambiental e esgotamento de recursos naturais. Além disso, houve o início das discussões sobre a necessidade de desenvolvimento sustentável.
Durante as décadas de 1980 e 1990 ocorreu o crescimento do movimento ambientalista e aumento da conscientização sobre questões globais, como mudanças climáticas e perda de biodiversidade. Eventos marcantes como a Rio-92 (Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento) trouxe a sustentabilidade para a agenda global.
Nos anos 2000, o conceito de sustentabilidade expande-se para além do ambiental, incorporando aspectos sociais e econômicos. Passam a surgir de frameworks como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.[1]
Mais recentemente, na década de 2010, a sustentabilidade torna-se uma prioridade para empresas, governos e sociedade civil. A noção de responsabilidade corporativa e investimento socialmente responsável ganha destaque. Os fatores ESG surgem e passam a nortear o capital privado.
A sigla ESG corresponde às palavras em inglês Environmental, Social e Governance e sintetiza uma série de critérios ambientais, sociais e de governança. A popularização do termo ocorre em 2005, na conferência Who Cares Wins (“Quem se importa, ganha”), em Zurique. O evento reuniu investidores institucionais, administradores de ativos, consultores globais e órgãos e reguladores do governo para examinar o papel dos fatores ESG na gestão de ativos e na pesquisa financeira.
Desde então, o capitalismo sustentável cresceu grandemente. De acordo com a Bloomberg, o mercado de ativos ESG está estimado no valor superior a US$30 trilhões, com montante global estimado de US$53 trilhões de investimentos até 2025.[2]
As vantagens são inúmeras quando ocorre à incorporação dos critérios ESG (ambiental, social e governança corporativa) pelas empresas, e isso representa também uma evolução no processo de gestão das mesmas. Ao direcionar recursos para gerar impactos positivos do ponto de vista socioambiental e de governança cria-se um círculo virtuoso em favor da sustentabilidade.
Uma pesquisa[3] apontou que a geração millennials de gestores, investidores e consumidores em sua maioria prioriza empresas e projetos pautados em ESG, sobretudo fintechs e organizações que mensuram seus impactos ambientais, sociais e de governança.
Ou seja, as novas gerações dão grande importância para empresas que estejam alinhadas aos seus valores no momento da escolha de qual empresa vão trabalhar, de quais produtos consumir, com quais marcas têm mais afinidade e em que empresas irão investir. Fatores como o cuidado com o planeta, com as pessoas e o agir com transparência, são alguns dos fatores analisados.
Com a empresarização do esporte, o surgimento das sociedades anônimas do futebol e a aproximação do capital privado, o esporte tende a absorver cada vez mais rápido as tendências de mercado, inclusive as boas práticas de sustentabilidade e fatores ESG.
As maiores marcas globais de tênis estão liderando o caminho em direção à sustentabilidade na indústria da moda esportiva. Empenhadas em reduzir seu impacto ambiental, empresas como Puma, Adidas e Nike, estão buscando maneiras inovadoras de produzir calçados mais ecológicos, utilizando materiais reciclados e recolhendo plásticos dos oceanos.
Neste sentido, vale observar dois exemplos atuais. O caso espanhol e francês. Estes exemplos relacionam a colaboração e a inovação com a possibilidade de desenvolvimento da cultura sustentável.
- Espanha busca a sustentabilidade esportiva
A Federação Espanhola de Futebol (Real Federación Española de Fútbol – RFEF) tem se esforçado para integrar princípios de sustentabilidade ambiental, social e de governança (ESG) em suas práticas e políticas.
A RFEF tem adotado medidas para melhorar a transparência e a prestação de contas em sua governança. Por exemplo, tem buscado aumentar a divulgação de informações financeiras e decisões administrativas para garantir que as operações da federação sejam conduzidas de maneira ética e responsável. Além disso, tem promovido a diversidade e a inclusão em sua estrutura organizacional, buscando representatividade de gênero e equidade em suas lideranças.
No que diz respeito à sustentabilidade ambiental, a RFEF tem buscado reduzir seu impacto ambiental em eventos esportivos e operações cotidianas. Isso inclui a implementação de práticas de gestão de resíduos, a promoção da eficiência energética em instalações esportivas e o incentivo ao uso de transportes sustentáveis para eventos e deslocamentos relacionados ao futebol.
Iberdrola e a Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF) apresentaram a primeira Cidade do Futebol Sustentável nas instalações de treinamento das seleções espanholas de futebol em Las Rozas, Madri.
O acordo assinado por ambas as entidades permitiu a instalação de um sistema de autoconsumo composto de 110 painéis solares fotovoltaicos em telhados e toldos que permitirão que os jogos dos diferentes times de futebol sejam acesos com energia renovável. A produção desta instalação é equivalente ao consumo anual de 30 casas e evitará a emissão de 22 tCO2 /ano.
As instalações também foram equipadas com 20 pontos de carregamento de veículos elétricos para promover a mobilidade sustentável entre atletas e torcedores. Qualquer usuário de veículo elétrico que venha às instalações poderá fazer uso desses pontos de carregamento com a garantia de utilizar 100% de energia verde, proveniente de fontes de geração limpa. Os pontos de carga elétrica estarão disponíveis no aplicativo móvel Recarga Pública Iberdrola, o único que inclui informações verificadas sobre todos os carregadores de veículos elétricos em operação na Espanha, e que pode ser utilizado para gerenciar a geolocalização do carregador, reservá-lo e pagar pela carga do telefone celular.
No entanto, cabe uma crítica quanto ao pilar social. A sociedade espanhola reiteradamente tem manifestado preconceito e discriminação racial a atletas brasileiros[4]. Tal tema será objeto de uma análise em outro artigo.
- Os Jogos de Paris 2024
Os Jogos Olímpicos de Paris 2024[5] têm como objetivo integrar princípios de sustentabilidade e ESG (ambiental, social e de governança) em todas as suas operações e eventos. Paris 2024 está comprometida em realizar os Jogos de forma neutra em carbono, minimizando as emissões de gases de efeito estufa associadas ao evento e compensando qualquer emissão residual por meio de projetos de compensação de carbono.
A organização dos Jogos está implementando políticas de gestão de resíduos para reduzir, reutilizar e reciclar materiais utilizados durante o evento. Isso inclui a conscientização dos participantes e espectadores sobre a separação adequada de resíduos e a implementação de medidas para minimizar o desperdício.
Paris 2024 está promovendo o uso de transporte público, bicicletas e outras formas de transporte sustentável para reduzir o impacto ambiental dos deslocamentos relacionados aos Jogos. Além disso, está investindo em infraestrutura para melhorar a acessibilidade e a mobilidade durante o evento.
Os Jogos Olímpicos de Paris estão buscando deixar um legado positivo para a cidade e sua população, promovendo iniciativas de inclusão social, educação, emprego e desenvolvimento comunitário. Isso pode incluir programas de capacitação para jovens, investimentos em infraestrutura urbana e projetos de revitalização de áreas degradadas.
A organização dos Jogos está comprometida com altos padrões de transparência e governança em todas as suas operações. Isso inclui a prestação de contas pública, a divulgação de informações financeiras e a promoção da participação da comunidade nas decisões relacionadas aos Jogos.
Esses são apenas alguns exemplos das muitas iniciativas sustentáveis e ESG que estão sendo implementadas nos Jogos Olímpicos de Paris 2024. Essas medidas não apenas contribuem para a realização de um evento mais sustentável e responsável, mas também deixam um legado duradouro para a cidade anfitriã e suas comunidades. No entanto, uma auditoria posterior poderá ratificar tais esforços e apontar eventuais incongruências.
Infelizmente, edições de megaeventos anteriores serviram de sportwashing.
No esporte, a imagem de compromisso com os fatores ESG e a incoerência com a realidade se denomina sportwashing[6]. Tal estratégia em que organizações ou até mesmo países utilizam o esporte como uma forma de desviar a atenção pública de suas ações negativas ou controversas podem envolver até sérias violações de direitos humanos.[7]
- Conclusão
Existem desafios no que diz respeito ao que podemos chamar de padrão ESG.[8] As empresas e organizações esportivas podem autodeclarar suas políticas e ações em seus relatórios de sustentabilidade. Ou seja, são elas que escolhem que indicadores serão divulgados. Isso pode gerar subjetividade.
Contudo, é preciso começar. As organizações esportivas precisam contam com pelo menos um profissional ou departamento com orçamento para iniciar a cultura da sustentabilidade. Este movimento pode abrir muitas portas, sobretudo com investidores, patrocinadores e fãs.
O caminho para uma integração entre os aspectos financeiros e não financeiros (ESG) para o desenvolvimento sustentável é possível. E ele passa pela colaboração e inovação.
*O conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, sendo de total responsabilidade do(a) Autor(a) deste texto.
Referências:
https://www.iberdrola.com/sala-comunicacao/noticia/detalhe/iberdrola-e-a-rfef-inauguram-a-primeira-cidade-do-futebol, acesso em 10/04/2024, 06hh.
https://olympics.com/pt/paris-2024/nossos-compromissos/avaliando-nosso-impacto/relatorio-do-legado-de-sustentabilidade, acesso em 10/04/2024, 07h.
https://leiemcampo.com.br/sportswashing/, acesso em 10/04/2024, 08h.
https://www.uol.com.br/esporte/colunas/lei-em-campo/2023/02/17/fifa-esquece-direitos-humanos-com-arabia-saudita-como-sede-de-mundial.htm, acesso em 10/04/2024, 09h.
[1] https://brasil.un.org/pt-br/sdgs
[2] https://www1.folha.uol.com.br/seminariosfolha/2021/05/esg-deve-atrair-us-53-tri-em-investimentos-em-2025-estima-bloomberg.shtml
[3] ESG Investing Comes of Age. Disponível em: https://www.morningstar.com/features/esg-investing-history
[4] https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2023/05/22/espanha-tem-historico-de-racismo-contra-jogadores-e-ronaldo-ja-foi-vitima.htm
[5] https://olympics.com/pt/paris-2024/nossos-compromissos/avaliando-nosso-impacto/relatorio-do-legado-de-sustentabilidade
[6] https://leiemcampo.com.br/sportswashing/
[7] https://www.uol.com.br/esporte/colunas/lei-em-campo/2023/02/17/fifa-esquece-direitos-humanos-com-arabia-saudita-como-sede-de-mundial.htm
[8]O greenwashing é uma prática em que uma empresa ou organização tenta transmitir uma imagem de responsabilidade ambiental, social ou de governança (ESG) que não corresponde à realidade de suas operações. O uso da tecnologia pode desempenhar um papel importante na prevenção do greenwashing.