Ramon Bisson Ferreira¹
Membro Filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo
Desde o ano de 2003, com o advento da Lei nº 10.672/2003, responsável por pontuais alterações da Lei nº 9.615/1998, as ligas desportivas, entidades de administração do desporto e entidades de prática desportiva envolvidas em competições profissionais são obrigadas a elaborar e publicar suas demonstrações financeiras. Tal obrigação deve ser cumprida até dia 30 de abril do ano subsequente, no site da própria entidade.
Porém, desde o ano de 2020, o cumprimento de uma obrigação rotineira gerou dúvidas em razão das demonstrações financeiras do Red Bull Bragantino, equipe do Estado de São Paulo que disputa o Campeonato Brasileiro da Série A e é controlado pela marca de energéticos “Red Bull”. Em síntese, a equipe de Bragança Paulista realizou uma publicação mais simples que as adotadas pelos maiores clubes do país, deixando de detalhar informações como receitas, despesas, ativos e passivos, além da não apresentação de notas explicativas ao balanço.
Diante do cenário, recebeu críticas de analistas financeiros e dos veículos de mídia e buscou se defender por meio de nota oficial, a qual não foi bem digerida pela mídia em razão do tom jocoso adotado². Mas enfim, qual é a extensão da obrigação legal imposta pelo artigo 46-A? Existe determinação do conteúdo a ser publicado?
A redação do artigo 46-A, o qual obriga a publicação das obrigações financeiras, tem a seguinte redação:
“Art. 46-A. As ligas desportivas, as entidades de administração de desporto e as de prática desportiva envolvidas em qualquer competição de atletas profissionais, independentemente da forma jurídica adotada, ficam obrigadas a: (Incluído pela Lei nº 10.672, de 2003)
I – elaborar suas demonstrações financeiras, separadamente por atividade econômica, de modo distinto das atividades recreativas e sociais, nos termos da lei e de acordo com os padrões e critérios estabelecidos pelo Conselho Federal de Contabilidade, e, após terem sido submetidas a auditoria independente, providenciar sua publicação, até o último dia útil do mês de abril do ano subsequente, por período não inferior a 3 (três) meses, em sítio eletrônico próprio e da respectiva entidade de administração ou liga desportiva; (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).
II – apresentar suas contas juntamente com os relatórios da auditoria de que trata o inciso I ao Conselho Nacional do Esporte – CNE, sempre que forem beneficiárias de recursos públicos, na forma do regulamento. (Incluído pela Lei nº 10.672, de 2003)”.
Da simples leitura do dispositivo legal, é possível notar que a obrigação imposta pela Lei Pelé tem como limite a publicação das demonstrações financeiras com separação por atividades econômicas e a adoção dos critérios do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), as quais devem ser submetidas a auditoria independente antes de sua publicação.
A equipe do Red Bull Bragantino, utilizando-se de uma interpretação mais restritiva da legislação opta pela compreensão de que é necessária a divulgação apenas dos números básicos de suas finanças, sem a presença de notas explicativas, por exemplo. Apesar da incerteza sobre os limites da obrigação legal, os principais clubes do país optam por publicar suas demonstrações financeiras da forma mais completa possível, com informações de receitas, despesas, ativos, passivos e notas explicativas que contemplam diversos pontos importantes para compreensão da situação financeira das entidades, visando maior transparência e credibilidade em suas administrações.
Cabe salientar que a natureza de sociedade empresária da equipe de Bragança Paulista não tem obrigação de apresentar suas demonstrações, conforme previsto no Artigo 3º da Lei nº 11.638/2007, vez que não se enquadra ao conceito de “empresa de grande porte”. Dessa forma, a obrigação legal das publicações está restrita às obrigações contidas na legislação desportiva.
Diante do atual conteúdo da legislação vigente, é possível concluir que não há clara infração legal na conduta adotada pelo Red Bull Bragantino, vez que a disposição legislativa não esclarece de forma exaustiva o formato e o conteúdo completo das demonstrações a serem publicadas.
Trata-se de tema que precisa evoluir nas próximas reformas que a legislação desportiva será objeto, com informações mais claras acerca do conteúdo da obrigação legal aplicável aos clubes.
Ultrapassadas as questões legais, passando para o prisma de gestão esportiva, o primeiro passo é compreender que a publicação das demonstrações financeiras não deve ser vista como mero cumprimento de legislação. Ao contrário, trata-se de prática de boa governança dando credibilidade para o clube perante o mercado.
A transparência está entre princípios básicos de uma boa governança, sendo conceituado não apenas como o cumprimento das obrigações da lei, mas também o interesse de ser transparente com seus stakeholders.
Considerando a baixa credibilidade vivida pelo futebol brasileiro em razão das más gestões de tempos passados, melhores práticas de governança são indispensáveis para retomada da confiança dos stakeholders envolvidos, especialmente aqueles que podem representar incremento de receitas.
Neste sentido, seja por meio de medida legislativa, por meio de sistema de licenciamento gerido pelas entidades de administração do desporto ou por iniciativa própria dos clubes, é muito importante a implantação da exigência de prestação de contas da forma mais completa possível, respeitadas as confidencialidades necessárias para o bom desenvolvimento da atividade.
Tratando de sistema de licenciamento, cabe salientar que o Regulamento de Licença de Clubes³, da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), o qual está em fase de implementação desde o ano de 2018, prevê em seu item V (Critérios Financeiros), F.01 (Demonstrações Financeiras Completas, Anuais e Auditadas), que os clubes entreguem à CBF as demonstrações financeiras completas, incluindo notas explicativas, fluxo de caixa, dentre outras especificações. Entretanto, não há no regulamento obrigações relativas à publicação, sendo que alteração neste sentido pode ser importante para o avanço no aumento da transparência do futebol do país.
De toda forma, em que pese a ausência de obrigação legal clara para exposição de demonstrações financeiras com os detalhes necessários para a compreensão da situação do clube, a publicação da forma mais completa possível é de extrema importância para o aumento da credibilidade e da confiança em relação aos clubes de futebol, facilitando o desenvolvimento do esporte no país.
* Importante destacar que o conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, sendo de total responsabilidade do Autor desse texto.
¹ Ramon Bisson Ferreira é Executivo do Esporte Clube XV de Novembro de Piracicaba. Especialista em Gestão do Esporte e Direito Desportivo pela Universidade Cândido Mendes/RJ e membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD.
² Disponível em https://www.redbullbragantino.com.br/noticia/nota-oficial. Acesso em 10 de maio de 2021.
³ Disponível em https://conteudo.cbf.com.br/cdn/201907/20190705112909_106.pdf. Acesso em 10 de maio de 2021.