Alexandre Miguel Mestre
Na passada semana o prestigiado sítio Internet insidethegames, sempre muito atento e bem informado sobre os meandros do Movimento Olímpico, assinalava que de momento o Comité Olímpico Internacional (COI) tem “apenas” 92 membros, “sem qualquer membro” de nações que já acolheram Jogos Olímpicos “incluindo a Grécia e o México”.
Este comentário surge a propósito de seis pessoas terem deixado de integrar a lista de membros do COI por terem ultrapassado, em 2015, o limite de idade de 80 anos. São pessoas nacionais do Uruguai, do México, da Rússia, da Grécia, do Líbano e da Zâmbia.
Mais alerta o artigo em apreço que os membros nacionais de Hong Kong e dos Camarões – este, o Presidente interino da FIFA – ultrapassarão, este ano, a idade limite, e, também já em 2016, cinco membros da Comissão de Atletas do COI verão o seu mandato chegar ao fim.
É neste contexto que o autor do texto, Nick Butler, regista que na Sessão do COI (uma espécie de Assembleia-Geral), a realizar este ano no Rio de Janeiro, se espera que venha a acontecer a entrada no COI do maior número de novos membros desde que Thomas Bach assumiu a Presidência, em Setembro de 2013.
Abre-se aqui, como nunca, uma janela de oportunidade para que Portugal volte a ter um membro. Tanto quanto julgo saber os esforços nesse sentido, iniciados já há alguns anos, prosseguem e reforçam-se, e, como qualquer cidadão Português, quero e confio que vinguem, mais a mais quando a cidade que agora acolhe os Jogos Olímpicos fala o Português e tendo em conta que o nome em cima da mesa é incontornável: Rosa Mota. Se nos últimos três anos já entraram 18 novos membros – 13 em 2013; 3 em 2014; 2 em 2015 – tem mesmo de ser agora a nossa hora!
Mas o que mais me interessa hoje, aqui, é partilhar consigo, caro leitor, vários aspectos no plano jurídico, para assinalar a particular natureza do COI que está na base do enquadramento acima referido e que ajuda a perceber o que se espera do futuro próximo. Tudo resultante da Carta Olímpica, uma espécie de Constituição do Movimento Olímpico.
Primeiro aspecto: o COI não é uma confederação de Comités Olímpico Nacionais (CON), ou seja, ao contrário do que num primeiro momento se poderia pensar, os CON não são os membros do COI. Os membros do COI são pessoas individuais. Aqui está uma clara diferença em relação às Federações Desportivas Internacionais, cujos membros são as federações nacionais. Por exemplo, a Federação Portuguesa de Futebol é membro da FIFA.
Segundo aspecto: o número máximo de membros do COI é de 115: até 70 membros, sem função ou cargo específico; até 15 Presidentes de Federações Internacionais, Associações de Federações Internacionais ou outras organizações reconhecidas pelo COI; até 15 pessoas com cargos executivos/de liderança em CON ou associações continentais de CON; até 15 representantes de atletas, que estejam no activo. Para além da referida proporcionalidade da representatividade dos membros, é de assinalar o facto de apenas a maioria dos representantes dos atletas serem objecto de uma eleição propriamente dita – votam atletas presentes em Jogos Olímpicos de Verão e Inverno. Ou seja, na prática, a larguíssima maioria dos membros é designada pelo COI – em rigor critério é o de cooptação, muito embora seja a Sessão quem formalmente elege os membros, tendo por base uma proposta elaborada e apresentada pela Comissão Executiva do COI, que não pode ser alvo de qualquer modificação ulterior.
Dito por outras palavras: na grande maioria dos casos, são os actuais membros que admitem os futuros membros, segundo os seus critérios, de inegável discricionariedade. A admissão de membros rege-se, pois, pela excepção, pelo privilégio, por vezes pelo elitismo. Trata-se de um método que pode dificultar uma regeneração do COI, mas que encontra raízes em Pierre de Coubertin, que estava convicto da vantagem de garantir uma certa perenidade aos membros do COI, tendo, nessa medida, defendido sempre o COI como uma entidade de auto-recrutamento.
Terceiro aspecto: os membros do COI representam e promovem os interesses do COI e do Movimento Olímpico nos seus países e dentro das organizações pertencentes ao Movimento Olímpico, não sendo, pois, delegados do seu país ou do seu CON junto do COI. O mesmo é dizer-se que os membros do COI são representantes de e não junto do COI, funcionando como uma espécie de porta-vozes ou embaixadores do COI no seu país e não o contrário, ou seja, estamos na presença de um modelo de “representação à inversa”. Uma vez mais, a lógica remonta a Pierre de Coubertin, que idealizou um sistema tendente senão a evitar pelo menos a atenuar interferências governamentais, possíveis num cenário em que os membros do COI pudessem ser representantes directos ou indirectos dos governos nacionais. O Barão francês entendia que autorizar o País a escolher os seus próprios representantes no COI seria fatal para este, pois tal conduziria a ingerências políticas, nacionalistas ou corporativas nas decisões do COI.
Assim, ainda hoje se segue esta lógica: privilegia-se o homem (cada vez mais mulheres, felizmente), a personalidade, as suas (sempre subjectivas) qualidades, independentemente do seu País de origem.
É neste contexto que me parece pouco coerente que a mesma Carta Olímpica, numa regra sobre a transferência de domicílio ou de interesses centrais, estipule que um membro do COI deixa de o ser quando efectua uma transferência de domicílio ou de interesses centrais de um País para outro País não membro do COI. Ou ainda a norma que obriga à abstenção de um membro do COI na tomada de decisões que afectem o País de que é nacional. Não serão estas as únicas incongruências da Carta Olímpica – diz-se, por exemplo, que os Jogos Olímpicos não são competições entre Países mas sim entre atletas, mas na verdade as Missões Olímpicas são “representações nacionais”; as bandeiras nacionais identificam as Missões Olímpicas na cerimónia de abertura e são hasteadas quando o hino…nacional toca. Por outro lado, ainda que oficialmente não se permitam/reconheçamrankings entre países, a verdade é que a contabilização de medalhas e diplomas faz-se essencialmente nesse plano comparativo.
No fundo, quer se queira, quer não, os Jogos Olímpicos, em diferentes momentos e expressões, expõem os Países ao Mundo, que não apenas no plano desportivo. E na Sessão do COI, onde têm assento os membros do COI (que votam, por exemplo as cidades-sede dos Jogos…), as sensibilidades e interesses nacionais nunca deixam de ter peso.
De momento existem 206 CON, dos cinco continentes, e há, por exemplo, três membros do COI nacionais de um mesmo País, no tal universo de 92 actuais. Temos, portanto, Países com mais poder que outros ou, se quisermos qualificar de outra forma, há uns com (relevante) representatividade e outros sem nenhuma. A desproporcionalidade é evidente.
Como aprendemos com as telenovelas brasileiras, pergunta-se: “Quais as cenas do próximo capítulo?”. Este ano, no Brasil, teremos a resposta. Para além da dinâmica da geopolítica e diplomacia desportivas, as regras da Carta Olímpica serão as regras do jogo…
Fonte: sabado.pt