João Felipe Artioli¹
Membro filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo
Na apresentação do meu último artigo, publicado pelo IBDD em 22/04/2021, diversas questões pautadas me chamaram a atenção para continuar a desenvolver o tema “direito de imagem”, mas um deles teve maior destaque pelo desafio.
Aos 45 minutos do segundo tempo fui questionado se haveria a possibilidade de a proporção de 60% e 40%, prevista no parágrafo único do artigo 87-A da CLT, ser modificada por Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) ou por Convenção Coletiva de Trabalho (CCT).
Em rápida reflexão respondi que haveria a possibilidade em razão da prevalência do negociado sobre o legislado. Entretanto, o tema demanda maior reflexão e análise da realidade fática do direito de imagem no futebol profissional e o permissivo legal.
Nunca é demais lembrar que os contratos de imagem atuais são complexos e versam desde definições da imagem em si e em sentido amplo, coletiva e individual, até cláusulas de reputação, propriedade intelectual e uso das redes sociais. Em outras palavras, o direito de imagem complexo, não podendo ser tratado de forma simplista e sem tecnicidade.
Por sua vez, a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) foi a atualização decorrente da mudança de cultura geracional, cuja questão fundamental foi a sobreposição do negociado sobre o legislado, conforme o disposto nos artigos 611-A e 611-B da CLT.
A Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em julgamento que teve a relatoria do Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, confirmou a importância e o valor negocial no âmbito coletivo:
“Aliás, um dos fundamentos motivadores da reforma trabalhista é o fortalecimento da negociação coletiva. O artigo 611-A da CLT encerra um rol exemplificativo de temas que podem ser objeto de negociação ao dispor que a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre as matérias elencadas nos quinze incisos do referido artigo.” (TST-RO-585-78.2018.5.08.0000)
O trecho transcrito acima revela um ponto de grande relevância para o deslinde deste artigo, que é o entendimento de que o rol contido no artigo 611-A da CLT é exemplificativo. Apesar disso, essa liberdade negocial está subordinada à autonomia da vontade coletiva com as restrições marcadas no artigo 611-B da CLT.
Por esta razão, talvez, se possa afirmar que o negociado prevalecerá sobre o legislado, confirmando o meu posicionamento naquela ocasião, o que leva ao pano de fundo deste artigo.
Nas lições de Vólia Bomfim Cassar:
“O acordo coletivo de trabalho é o negócio jurídico extrajudicial efetuado entre sindicato dos empregados e uma ou mais empresas, onde se estabelecem condições de trabalho, obrigando as partes acordantes dentro do período de vigência predeterminado e na base territorial da categoria. – art. 611, § 1°, da CLT.
Suas cláusulas são comandos abstratos, gerais e impessoais. Em face disto, a convenção ou o acordo coletivo se assemelham à lei[fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][…]. Por sua vez a convenção coletiva de trabalho é um negócio jurídico extrajudicial pactuado entre o sindicato dos empregados e o sindicato dos empregadores, estabelecendo condições de trabalho para toda a categoria.”
Assim, a nova regra é pautada na intervenção mínima do Estado nas relações de trabalho, dando maior autonomia para as partes dessa relação contratual, que passam a estabelecer condições que antes eram impostas por lei.
Para tanto, é necessário compreender se aquilo que compõe o direito de imagem se amolda ao disposto no artigo 611-A da CLT e não encontra óbice ao disposto no artigo 611-B da CLT.
Para adentrar no mérito deste artigo, uma observação é necessária: a lei não contém palavras inúteis. A relação entre atleta profissional e entidade de prática desportiva é especial, haja vista a nomenclatura legal do contrato de trabalho (contrato especial de trabalho desportivo). Se é uma relação profissional especial, como especial deverá ser analisada.
Segundo o parágrafo único do artigo 87-A da Lei Pelé, compõe a remuneração do atleta profissional de futebol o salário, anotado na CTPS, e o direito de imagem, com a expressa limitação de que o salário deverá, no contexto da remuneração, ser de pelo menos 60%.
Nesse particular, o §1º do referido dispositivo consolidado estabelece que: “No exame da convenção coletiva ou do acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho observará o disposto no § 3º do art. 8º desta Consolidação.”
Por sua vez, o §3º do artigo 8º da CLT preconiza que: “No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.”
Interessante invocar o artigo 104 do Código Civil, que dispõem que para a validade de qualquer negócio jurídico faz-se necessário que as partes sejam capazes, o objeto seja lícito, possível, determinado ou determinável e que observe a forma prescrita ou não defesa em lei.
A questão recai na “forma prescrita ou não defesa em lei”, contida no inciso III do dispositivo civilista, pois o parágrafo único do artigo 87-A da Lei Pelé estabelece qual é o mínimo de salário na remuneração total ajustada. Por esse raciocínio, então, eventual ACT ou CCT que tratasse de outra proporcionalidade que não aquela disposta na lex desportiva encontraria óbices no §1º do artigo 611-A da CLT.
Ocorre que o rol do artigo 611-A da CLT é exemplificativo e nele constam diversas outras possibilidades que também são estabelecidas e definidas por lei, mas que podem ser objeto de ACT ou CCT.
Isso se dá pelo fato de que o referido artigo celetista retirou da Justiça do Trabalho a competência de analisar o conteúdo material das normas coletivas, restando a ela somente a função de examinar o aspecto formal, não podendo questionar partes do texto que, em tese, violem direitos trabalhistas.²
Por isso, o mote do negociado sobre o legislado é justamente a flexibilização trabalhista, que, de acordo com Maurício Godinho Delgado³, é “a possibilidade jurídica, estipulada por norma estatal ou por norma coletiva negociada, de atenuação da força imperativa das normas componentes do Direito do Trabalho, de modo a mitigar a amplitude de seus comandos e/ou os parâmetros próprios para a sua incidência”.
Dada a especialidade da relação profissional aqui tratada, a modificação dos percentuais da remuneração do atleta profissional por meio de normas coletivas seria possível, na medida que a flexibilização visaria mitigar a amplitude dos parâmetros então estabelecidos no parágrafo único do artigo 87-A da CLT, além de não encontrar óbice no rol, este taxativo, do artigo 611-B da CLT.
E, por fim, o STF ampara essa possibilidade, conforme decidido no julgamento do RE 590.415, uma vez que o reconhecimento dos “acordos e convenções coletivas permite que os trabalhadores contribuam para a formulação das normas que regerão a sua própria vida”, nos moldes do artigo 7º, XXVI, da Constituição Federal.
* Importante destacar que o conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, sendo de total responsabilidade do Autor desse texto.
¹Graduado em Direito pela FACAMP, Pós-graduado em “Direito Tributário” pelo IBET e em “Aprimoramento em Compliance” pela FACAMP, membro do IBDD e da Comissão de Direito Desportivo da OAB/Campinas, sócio do escritório Ezarchi & Artioli Advogados Associados, que atua no Direito Desportivo desde 1996.
²Ministério Público do Trabalho. Nota Técnica nº 05, de 17 de abril de 2017, da Secretaria de Relações Institucionais do Ministério Público do Trabalho (MPT). Brasília, 2017.
³ DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 16. ed. rev. e ampl. São Paulo : LTr, 2017.
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