PROJETO DE LEI Nº 2.125 E A REDUÇÃO DA CLÁUSULA COMPENSATÓRIA DESPORTIVA

Beline Nogueira Barros[fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][i]

Membro Filiado ao Instituto de Direito Desportivo do Brasil (IBDD)

            O cenário econômico e social com a disseminação do coronavírus (covid-19) e a pandemia tem feito com que todas as relações de trabalho sejam modificadas, de forma natural, com o home office se tornando uma realidade, a diminuição de custos e as empresas se preocupando com os mínimos detalhes na relação custo e benefício para manutenção de todos os empregos.

            O tema é delicado e tratado de forma brilhante por outros colegas na Coluna do IBDD, que vale a releitura, na busca de soluções para o calendário, a volta do futebol e também para as relações entre os participes e soluções econômicas para os clubes, que com a paralisação, tem visto suas receitas caírem aos poucos, seja por suspensão de patrocínio, cota de TV, uma negociação de atleta que seria feita na janela de verão e que agora pode não ser concretizada, as bilheterias dos jogos que não estão acontecendo e todas as receitas de match day, que são as receitas dos dias de jogo.

            Em meio ao cenário que estamos vivendo o deputado federal Arthur Maia da Bahia apresentou ao final do mês de abril o Projeto de Lei nº 2.125¹, a pedido da Comissão Nacional de Clubes (CNC) e da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que tramita em regime de urgência, podendo inclusive ser votado direto pelo Plenário da Câmara dos Deputados desde 28 de abril, propondo o congelamento por 12 (doze) meses das parcelas do Profut² (Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro).

            O PL nº 2.125 busca dentre a suspensão ou congelamento dos pagamentos das parcelas do Profut, também prevê que, durante o período de calamidade pública, pelo Decreto Legislativo n.º 6 de 20 de março de 2020, o dinheiro arrecadado com a loteria Timemania seja repassado diretamente aos Clubes, e deixe de ir aos cofres da União, que é o que ocorre hoje, para a redução da dívida com o Profut.

            Neste período as informações e tudo tem ocorrido de forma tão célere que enquanto este artigo era escrito e o Projeto de Lei não era discutido, e sim imposto, e claro, isso na opinião deste que vos escreve, o Ministério da Economia decidiu por prorrogar por até cinco meses o prazo de pagamento das parcelas de maio, junho e julho das dívidas fiscais dos clubes refinanciadas pelo Profut. A portaria³ foi editada na segunda-feira (11 de maio) e publicada na terça (12 de maio), e isso dará um fôlego aos Clubes, que sim, estão sofrendo com a falta de receitas neste momento difícil.

            Mas passemos um pouco adiante ao que versa por completo o Projeto de Lei, que a princípio procurou tratar da situação financeira dos clubes e buscou fôlego para os próximos meses, do modo como essa ajuda viria em suspender pagamentos a União de duas formas, e para um fim, que é a dívida com o Profut. E tais medidas seriam em caráter provisório, tão somente para o período da pandemia e totalmente aceitável para o momento vivido por todos.

            Contudo, o Projeto de Lei decidiu ir um pouco além das questões econômicas que afetam tão somente as receitas dos clubes diretamente e a relação com um passivo criado através de anos de gestões desastrosas e duvidosas, e sem qualquer discussão, diferentemente as primeiras medidas, a proposta altera a Lei n.º 9.615 em seu art. 28, § 3º, reduzindo a Cláusula Compensatória Desportiva em 50% (cinquenta por cento) do valor total de salários mensais a que teria direito até o fim do contrato, é de forma permanente, e não apenas para o período da pandemia, o que é inaceitável.

            Ainda, incentivando o desemprego e demissões em massa, a proposta do deputado Arthur Maia da a possibilidade de parcelar o valor referente a Cláusula citada acima mensalmente no período em que o contrato rescindido estaria vigente, o que muda por completo o que a Legislação Desportiva e os atletas demoraram anos para conquistar e aprimorar, e isso sem qualquer possibilidade de discussão, podendo ser colocado em mesa para votação a qualquer momento em caráter de urgência.

            Em 1998 a Lei n.º 9.615, conhecidamente como Lei Pelé, aboliu o instituto do passe e inovou com a Cláusula Penal Desportiva, como ficou marcada e a redação original estabelecia que:

Art. 28. A atividade do atleta profissional, de todas as modalidades desportivas, é caracterizada por remuneração pactuada em contrato formal de trabalho firmado com entidade de prática desportiva, pessoa jurídica de direito privado, que deverá conter, obrigatoriamente, cláusula penal para as hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral[4].

De 1998 até 2011, a Cláusula Penal Desportiva teve duas correntes doutrinárias, ampliativa e restritiva, e o Tribunal Superior do Trabalho, de forma acertada a meu ver, tornou a corrente ampliativa majoritária. A aplicabilidade da cláusula penal desportiva deveria recair a onerosidade àquele que deu causa ao término do vínculo, seja clube ou atleta, vez que o caput do artigo 28 em nada reprimiu o emprego do instituto.

Aos que defenderam por todos estes anos a corrente restritiva, os mesmos se prendiam ao fato de que a Cláusula Penal Desportiva nada mais era de que uma forma compensação ao fim do instituto do passe, e assim se adequando ao Direito do Trabalho moderno, porém, mantendo o caráter compensatório. Essa linha de pensamento fazia com que apenas o clube empregador fosse o único beneficiário da cláusula penal desportiva, e não eram poucos os juristas que compartilhavam desta mesma corrente doutrinária.

O grande avanço na Legislação Desportiva, após muitos debates com participação dos maiores juristas de nosso país, a Lei n.º 12.935 de 2011, e então, trouxe finalmente as Cláusulas de Extinção do Contrato de Trabalho Desportivo, e dando origem à Cláusula Compensatória Desportiva e à Cláusula Indenizatória Desportiva, que não é tema de nosso estudo, mas será a titulo comparativo tão somente na desproporcionalidade entre os valores das mesmas.

O art. 28 da Lei Pelé passou então a ter a seguinte redação:

Art. 28.  A atividade do atleta profissional é caracterizada por remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva, no qual deverá constar, obrigatoriamente:

II – cláusula compensatória desportiva, devida pela entidade de prática desportiva ao atleta, nas hipóteses dos incisos III a V do § 5º.

§ 3º O valor da cláusula compensatória desportiva a que se refere o inciso II do caput deste artigo será livremente pactuado entre as partes e formalizado no contrato especial de trabalho desportivo, observando-se, como limite máximo, 400 (quatrocentas) vezes o valor do salário mensal no momento da rescisão e, como limite mínimo, o valor total de salários mensais a que teria direito o atleta até o término do referido contrato.

E a proposta do deputado Arthur Maia é justamente modificar o parágrafo 3º e diferentemente da relação com as parcelas do Profut, que são isenções ou suspensão de pagamento, a solução não é provisória, o que o mesmo propõe é passar o limite mínimo da Cláusula Compensatória Desportiva para 50% dos valores mensais totais, e ainda o Projeto de Lei acrescenta o parágrafo 11 com a seguinte redação:

§ 11 O pagamento da cláusula compensatória desportiva a que se refere o inciso II do caput deste artigo poderá ser efetuado mensalmente no período em que o contrato rescindido estaria vigente.

 Ou seja, a intenção é diminuir a Cláusula Compensatória Desportiva pela metade e ainda dar a possibilidade aos clubes de parcelar por quantos meses faltar do contrato rescindido em questão. A justificativa é a Pandemia, mas será na verdade uma oportunidade de demissões em massa e enxugamento de elenco, e frise-se, sem qualquer discussão relevante entre os principais interessados ou mesmos prejudicados, atletas.

Temas como este não podem ser modificados a “toque de caixa”, tão pouco em Projeto de Lei em um momento inoportuno como o da Pandemia. Se a proposta fosse de forma provisória e tão somente o parcelamento da Cláusula Penal Desportiva seria importante, e inclusive teria relação com todos os temas do Projeto de Lei, que pautou na economia, justificando assim, os descontos solicitados.

Ainda com um vício ou resquício da Cláusula Penal Desportiva, é a unilateralidade da Multa ou mesmo a Cláusula Compensatória, onde alguns dos doutrinadores defendiam que a mesma era devida tão somente aos Clubes, fez com que na mudança em 2011, a Cláusula Indenizatória Desportiva Nacional pode chegar até 2.000 vezes o valor médio do salário, enquanto que a Cláusula Compensatória Desportiva, tem o limite máximo de 400 (quatrocentos) vezes o valor médio do salário no momento da rescisão, e como limite mínimo, todo valor de salários mensais a que teria direito o atleta.

A FENAPAF – Federação Nacional dos Atletas Profissionais divulgou no último dia 04 de maio um vídeo[5] no qual os jogadores protestam contra o Projeto de Lei e cobram diálogo com o Congresso Nacional em relação a proposta que, entre outras coisas, cogita reduzir a multa rescisória em 50% (cinquenta por cento).

Mesmo considerando o grave momento em que vive o futebol brasileiro, o qual prevalece ainda a incerteza sobre o calendário e a retomada dos jogos e quando se encerrará esta crise, as mudanças devem ocorrer para o momento e de forma pontual. A preservação do emprego dos atletas e a saúde financeira dos clubes devem ser preservados, mas a mudança proposta de redução da Cláusula Compensatória Desportiva não é pertinente para este momento.

Mudanças tão drásticas como esta e de um instituto que passou anos em sua evolução não pode ser modificado sem ao menos um debate e participação das partes, e é isto que os atletas vêm pedindo. O que se quer, e o que se cobra é a transparência e em um momento futuro, que uma medida permanente não seja tomada agora, e sim amplamente discutida e assim, se o legislador entender que o melhor para a relação é que seja modificado, porém, ainda hoje já há uma discrepância muito grande entre as 2.000 vezes da Cláusula Indenizatória Desportiva e as 400 vezes de Cláusula Compensatória Desportiva e isso de máxima.

O Projeto de Lei também tratou de um outro tema que afeta diretamente a FENAPAF, o art. 9º do Projeto de Lei prevê a revogação do art. 57 da Lei nº 6.615, de 24 de março de 1998. Este é o artigo da Lei Pelé que trata de todos os investimentos que são recolhidos a título de recursos e repasses e/ou recolhimentos para a FENAPAF e FAAP.

E encerro também com uma dúvida sobre o que foi dito a estes atletas que gravaram os vídeos contra o Projeto de Lei do deputado Arthur Maia, se foi explicado exatamente as pretensões e possibilidades do Projeto de Lei e se foi informado ou não acerca da revogação de toda fonte de renda destas duas instituições, ou se eles gravaram mesmo em boa-fé e contra tão apenas contra a redução da Cláusula Compensatória Desportiva em 50% (cinquenta por cento), pois para estas duas instituições o baque será muito grande.


¹ BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei PL 2125/2020. Suspende o pagamento do parcelamento de dívidas no âmbito do Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro – PROFUT, criado prela Lei nº 13.155, de 4 de agosto de 2015, durante a vigência de calamidade pública nacional, reconhecida pelo Congresso Nacional; dispõe sobre a sistemática de repasse das receitas oriundas do concurso de prognóstico específico, instituído pela Lei nº 11.345, de 14 de setembro de 2006, durante o período que especifica; e altera a Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998. Disponível em https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2250434 Acesso em 17 de maio.   

² BRASIL. Lei n.º 13.155, de 4 de agosto de 2015. Estabelece princípios e práticas de responsabilidade fiscal e financeira e de gestão transparente e democrática para entidades desportivas profissionais de futebol; institui parcelamentos especiais para recuperação de dívidas pela União, cria a Autoridade Pública de Governança do Futebol – APFUT; dispõe sobre a gestão temerária no âmbito das entidades desportivas profissionais; cria a Loteria Exclusiva – LOTEX; altera as Leis n º 9.615, de 24 de março de 1998, 8.212, de 24 de julho de 1991, 10.671, de 15 de maio de 2003, 10.891, de 9 de julho de 2004, 11.345, de 14 de setembro de 2006, e 11.438, de 29 de dezembro de 2006, e os Decretos-Leis n º 3.688, de 3 de outubro de 1941, e 204, de 27 de fevereiro de 1967; revoga a Medida Provisória nº 669, de 26 de fevereiro de 2015; cria programa de iniciação esportiva escolar; e dá outras providências. Planalto, DF, 4 agos. 2015. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13155.htm . Acesso em: 9 maio. 2020.

³ BRASIL. Ministério da Economia. Portaria n.º 201, de 11 de maio de 2020. Prorroga os prazos de vencimento de parcelas mensais relativas aos programas de parcelamento administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB) e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), em decorrência da pandemia da doença causada pelo coronavírus 2019 (Covid-19), declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Planalt, DF, 11 maio. 2020. Disponível em: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-201-de-11-de-maio-de-2020-256310621 . Acesso em: 12 maio. 2020.

[4] BRASIL. Lei n.º 9.615, de 24 de março de 1998. Institui normas gerais sobre o desporto e dá outras providências. Planalto, Brasília, DF, 24 mar. 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9615consol.htm . Acesso em: 9 maio. 2020.

[5] https://globoesporte.globo.com/futebol/noticia/jogadores-pedem-trabalho-seguro-e-contestam-projeto-de-lei-mudar-sem-ouvir-a-gente-isso-nao-e-legal.ghtml Acesso em: 9 de maio. 2020.


[i] Advogado, Membro Filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD; Pós Graduado em Direito Civil e Direito Empresarial pela Faculdade Damásio de Jesus – SP; Pós Graduado em Direito Desportivo pela Universidade Cândido Mandes; Coordenador do  Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD em Goiás; Membro do Conselho Deliberativo da Sociedade Brasileira de Direito Desportivo – SBDD; Coordenador do Curso de Direito do Instituto de Direito Contemporâneo – IDC; Procurador do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Fisiculturismo – IFBB.

[/fusion_builder_column][/fusion_builder_row][/fusion_builder_container]