Álvaro Melo Filho
Advogado. Professor com Livre-Docência em Direito Desportivo. Membro da FIFA, da International Sport Law Association, do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, da Comissão de Estudos Jurídicos Esportivos do Ministério de Esporte. Autor de 56 livros, dos quais 28 na área do Direito Desportivo, além de 203 artigos em revistas jurídicas nacionais e estrangeiras.
Sem a paranóia do protagonismo desportivo que infesta as mídias desportivas e até sociais e, fundado sempre na concepção de D. Helder Câmara de que “quem discorda não ofende, apenas pensa diferente”, opino, doutrinariamente e despido de qualquer motivação profissional, sobre o “caso Portuguesa” e seu rebaixamento para a Série B do Brasileirão de 2014. E na busca do sentido e alcance de normas do Código Brasileiro de Justiça Desportiva – CBJD sinalo, em sede preliminar, que os múltiplos entendimentos vão desde os que defendem as pautas rígidas da segurança jurídica até os adeptos da flexibilização das leis em prol da justiça no caso concreto. Insta realçar,por relevante,que na esfera jurídica não se aplica lei, mas a interpretação da lei, campo minado por subjetivismos, opiniões, valores e interesses de plantão, sobretudo na seara desportiva.
Os tribunais desportivos, à evidência, são órgãos judicantes, e, nessa perspectiva, não podem transfundir-se em órgão “legislador”, até porque inexiste, in casu, lacuna jurídica a ser preenchida pelo julgador. Ao revés, há uma pluralidade de normas (art. 43, § 2º e art. 133 – ambos do CBJD), aparentemente colidentes, incidindo e gerando interpretações divergentes e opostas.
Eis o que está no cerne desta discussão jus-desportiva: o prazo na Justiça Desportiva só pode contar-se a partir do “primeiro dia útil subsequente se o início ou vencimento cair em sábado, domingo ou feriado” (art. 43, § 2º do CBJD), ou, “a partir do dia seguinte à proclamação” (art. 133 do CBJD) ?
Cumpre repontar que o art. 43, § 2º do CBJD trata de prazo para a prática de ato processual (apresentação de requerimento, defesa, recurso, etc), enquanto do art. 133 do CBJD envolve o prazo a partir do qual a decisão começa a produzir efeitos jurídicos válidos.Inexiste, portanto, incongruência ou incompatibilidade entre estas duas prescrições normativas que são vigentes e eficazes nos seus respectivos campos de incidência-esfera processual e esfera de materialização da sanção desportiva.
Diante desse quadro é visível e clarividente que o ditame referente a cumprimento de penalidade jus-desportiva (art. 133 do CBJD) não alude, não cogita e nem explicita se a contagem inicial ocorre em “dia útil ou não útil”, diferentemente do art. 43, § 2º do CBJD.
É cediço que, desde os tempos romanos, vige o entendimento jurídico pacífico e indiscrepante de que onde a lei não distingue não cabe ao intérprete fazê-lo (ubi lex non distinguit nec interpres destinguere debet). F. Ferrara advertia que não cabe ao intérprete ler na lei mais do que a lei contém, criticando“a tendência de alguns intérpretes de tentar colocar na lei o quena lei escrito não está, de acordo com as suas preferências, ou dela suprimir aquilo que não lhes agrada, transfigurando-se mais em legisladores do que hermeneutas” (in “Interpretação e Aplicação das Leis”, 2a. ed., Coimbra, pag. 129).
É importante extrair dessa insuperável lição que não se deve tentar distinguir entre as circunstâncias da questão e as outras.Deve-se, sim, cumprir a norma tal qual é, sem acrescentar condições novas, nem dispensar nenhuma das expressas.Há de se ter muito cuidado para que a pretexto de “fazer justiça no caso concreto”, não se produza sacrifício e dano, talvez irreversíveis, a todo sistema judicante desportivo.Adite-se que não cabe ao intérprete forçar a exegese para inserir exigência de “primeiro dia útil” existente apenas no seu próprio cérebro ou no seu sentir individual de que está, implicitamente,grafada no já mencionado art. 133 do CBJD.
Em síntese,quando o legislador quis disse-o expressamente(“primeiro dia útil”) e,quando não quis,silenciou (“a partir do dia seguinte”).E este silêncio eloquente é vital para o deslinde da questão, sem ensejar distorções, paixões e folia verbal,sob pena de colocar-se em risco a credibilidade da Justiça Desportiva e a segurança jus-desportiva que devem ser prestigiadas e garantidas até as últimas consequências para o bem do próprio futebol brasileiro.