Embora defendendo a importância do fair play financeiro nos esportes, os juristas encarregados de elaborar o anteprojeto da Lei Geral dos Desportos discordam de dispositivos da chamada Lei do Profut, que instituiu no país práticas de responsabilidade fiscal e financeira a serem seguidas pelas agremiações esportivas interessadas em refinanciar suas dívidas tributárias com a União. O ponto alvo das críticas é a equiparação do cumprimento das exigências financeiras previstas a critério técnico de desempenho esportivo.
Para que um clube de futebol possa entrar a uma competição, por exemplo, agora não basta apenas seu desempenho na temporada anterior. O time poderá ficar inabilitado a competir se deixar de apresentar certidões comprovando que está em dia com débitos relativos aos tributos federais (CND) e com o FGTS, entre outras exigências que passaram a fazer parte do Estatuto de Defesa do Torcedor, a partir da medida provisória do Profut, em agosto passado.
O assunto foi levantado pelo vice-presidente da comissão, advogado Alvaro Melo Filho, em reunião nesta terça-feira (24), quando apresentou relatório sobre o Estatuto do Torcedor. Segundo ele, as regras do Profut atribuem “força descomunal” a processos de exclusão por critérios não técnicos. Primeiro, explicou, as equipes com certidões negativas ficarão impedidas de entrar nas competições. Caso já estejam participando, e enquanto isso perderem a condição de regularidade, perderiam pontos de partidas na vigência dessa situação.
– Nós vamos correr risco grande, porque isso vai gerar ao longo da competição representações e protestos na Justiça Desportiva. Depois, se o clube for campeão, vai haver protesto dizendo que ele não tinha determinada certidão. Mesmo se tiver sido renovada, apenas um interregno no pagamento será suficiente para gerar uma multiplicidade de problemas – avaliou, defendendo solução mais “proporcional e equilibrada”.
Pedro Trengrouse admitiu que o tratamento adotado pelo Profut pode ser considerado “absurdo”, mas foi uma resposta ao que classificou de “omissão, negligência e apatia” das organizações esportivas. Segundo ele, as entidades discutiram por mais de 10 anos o fair play financeiro, mas não fizeram nada. Observou que nesse tempo a Uefa, a confederação do futebol europeu, já discutia o equilíbrio financeiro entre as equipes.
Isso porque, como disse, um time em más condições financeiras pode falir e afetar toda a competição. Além disso, aqueles que fazem dívidas e não honram com os pagamentos, acabam tendo recursos para investir nas equipes em detrimento dos que pagam seus compromissos, inclusive com impostos.
Para o advogado, se a ideia é retirar as exigências da lei, será necessário tratar da “questão de fundo”, a seu ver a própria estrutura das organizações esportivas. Do contrário, avalia, sempre haverá pressões sociais por regras legislativas sobre temas que poderiam ser decididos de modo autônomo pelas entidades, mas que elas relutam em enfrentar.
– Durante mais de dez anos foi discutido o fair play na Conmebol e na CBF, e não foi implementado. Aí a sociedade se cansa e demanda, e o Congresso coloca as demandas na lei – resumiu.
Bebidas
Melo Filho, o relator, também sugeriu a necessidade de se examinar o fim das restrições ao comércio de bebidas nas arenas esportivas, o que hoje privaria os clubes de renda extra. Para ele, não há elementos que comprovem a relação entre violência e consumo de bebidas dentro dos estádios. A seu ver, o consumo ocorre fora, até mesmo nas imediações do estádio. A seu ver, mais útil seria instalar “bafômetros” para impedir que pessoas alcoolizadas entrem nos estádios.
Houve também opiniões contra a inclusão de tipos penais específicos para injúria racial praticada por torcedores. Para o consultor legislativo Alexandre Sidnei Guimarães, a injúria racial será sempre o mesmo crime, não importando se vier a ser cometido “em estádio, na rua ou mesmo no Senado”.
Na reunião, os juristas também falaram em deixar de fora do anteprojeto a nova lei geral questões hoje abordadas pelo Estatuto do Torcedor consideradas detalhes de pouco relevância, que podem receber tratamento por meio de regulamentos, como regras sobre a forma de feitura e momento da divulgação das súmulas de arbitragem.
A comissão é presidida por Caio César Vieira Rocha, atuando como relator Wladimyr Vinycius de Moraes Camargos. A próxima reunião ocorrerá em 7 de dezembro.
Fonte: Agência Senado