Alexandre Miguel Mestre
No próximo domingo, dia 27, há eleições autonómicas na Catalunha. Alguns partidos ameaçam, caso obtenham uma maioria absoluta, avançar para uma “declaração de independência”.
Soou o alarme ao mais alto nível institucional do futebol espanhol: Javier Tebas, Presidente da Liga Espanhola de Futebol, com um percurso (re)conhecido como Advogado na área do desporto, soltou um aviso: “A lei é muito clara. Caso a Catalunha ganhe a independência, o Barcelona deixará de jogar no campeonato espanhol. Os únicos não espanhóis que podem competir são os clubes de Andorra”.
Do ponto de vista legal, não haja dúvidas de que Tebas tem razão. Por vários motivos, aliás já explanados por alguns juristas, em especial Ramón Fuentes, num artigo ontem publicado, cuja leitura aconselho aos mais interessados.
Desde logo, de acordo com a Lei do Desporto Espanhola, as sociedades anónimas desportivas e os clubes que participem numa competição profissional têm de estar inscritos no Registo de Associações correspondente e na federação respectiva. Por sua vez, em termos regulamentares, no respeito e em complemento da lei, a Real Federação Espanhola de Futebol exige a filiação das sociedades anónimas e/ou clubes em causa quer na própria Real Federação Espanhola de Futebol quer na federação de âmbito autonómico de que aqueles sejam membros. Ora uma Catalunha independente do Estado Espanhol implicaria, necessariamente, a sua saída da pirâmide federativa nacional, ou seja não existiria uma federação de futebol territorial/catalã dependente da Real Federação Espanhola de Futebol. Por conseguinte, num cenário de independência, Barcelona, Español, Girona e Sabadell deixariam de poder alinhar nas competições profissionais espanholas.
Por outro lado, o caso de Andorra a que Tebas faz referência também tem âncora na Lei do Desporto Espanhol, que por via de uma disposição adicional, concede, com carácter excepcional, um estatuto especial ao Principado de Andorra, permitindo que os clubes ali sedeados se filiem na federação espanhola correspondente, isto é, na Real Federação Espanhola de Futebol.
E poderiam aqui acrescentar-se argumentos de Direito Constitucional, Direito Europeu e Direito Internacional Público. Existe um princípio da unidade territorial, do qual decorre que a Nação Espanhola é indissolúvel, pelo que se o Parlamento catalão (autonómico/regional) decidir em contrário estará a violar a Lei Fundamental Espanhola (nacional). Também não existe um direito de secessão nem um direito de autodeterminação que permitam à Catalunha optar por deixar de ser parte de Espanha: uma declaração unilateral de independência, por mais “estrondosa” que seja, não perde essa natureza unilateral, pelo que não bastaria a vontade de uma maioria parlamentar catalã para colocar a Catalunha fora da União Europeia, por exemplo. Aliás, o Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Junker já o deu a entender, ontem mesmo.
A verdade é que uma declaração unilateral de independência sem correlativo reconhecimento não produz efeitos jurídicos.
Foi por esse mesmo motivo que o Comité Olímpico Internacional (COI) nunca cedeu às pressões da Catalunha para reconhecer um Comité Olímpico da Catalunha. E a evolução da Carta Olímpica mostra como o COI demorou a decidir mas acabou por decidir bem. Na sua versão de 1978, a denominação de um Comité Olímpico Nacional (CON) deveria “corresponder aos seus limites territoriais e à tradição do seu país”, cabendo ao COI a aprovação, pelo que o COI podia decidir por critérios políticos. Ainda em 1991, a Carta Olímpica aditava que um “país” é “todo o país, Estado, território ou porção de território que o COI considere, segundo a sua absoluta discricionariedade, como zona de jurisdição de um CON”, reforçando-se a possibilidade de o COI decidir livremente, como entendesse. Só em 1996 é que se plasmou que “na Carta Olímpica, a expressão país significa um Estado independente reconhecido pela comunidade internacional”, texto que ainda hoje prevalece. Pelo que só a partir de 1996 a decisão do COI se passou a estribar em argumentos estritamente jurídicos. E ainda bem. Certo é que, desde então, as esperanças dos promotores de um Comité Olímpico catalão se esfumaram…
Serve este exemplo, envolvendo também a Catalunha, para dizer o seguinte: para mim só faz sentido conceber um desporto que reconheça como países aqueles que gozam de independência e soberania jurídico-política, actuando como tal no contexto internacional, que os reconhece. Por maioria de razão, este raciocínio vale para um necessário reconhecimento (formal) num contexto nacional (no caso, do Estado Espanhol).
Assim sendo, bem podem ser criados uma Federação Catalã de Futebol ou um Comité Olímpico da Catalunha. Mas se assim for, ficarão a jogar “sozinhos”, em competições paralelas, às quais só os próprios poderão qualificar de oficiais.
Andou bem, pois, Javier Tebas quando, muito em tempo (a procissão ainda vai no adro), deixou o alerta. Reconheça-se esse seu mérito. Em todo o caso, com as barreiras legais e políticas em causa não parece crível que Espanha “se rompa” e com isso também a sua “Liga Fantástica”.
Sim, felizmente vamos continuar a ver Ronaldo vs Messi ou o dérbi Barça-Atlético.
Fonte: sabado.pt