SUBSTÂNCIA PROIBIDA, AMIGA DA DOR DE CABEÇA, INIMIGA DO ATLETA PROFISSIONAL

Por Débora Passos

Membro Filiada ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo

O título deste artigo é intrigante e curioso, e para adentrarmos no assunto específico de como substâncias ingeridas por nós, mesmo consideradas corriqueiras e que “resolvem” nossas dores, podem ser também consideradas doping.

Vida de atleta profissional atualmente é bem difícil. Há muitos esforços para que o atleta atinja seus objetivos.

Quais são esses objetivos? Na verdade, o atleta profissional busca sua melhor performance, para atingir a desejada vitória. Para que isso ocorra, sabemos que é necessária muita dedicação, treinamentos intensos, quase sempre chegando à exaustão física e mental.

Por trás do atleta profissional há uma equipe inteira de apoio, abrangendo treinadores, médicos, psicólogos, fisioterapeutas, “scouts”, e outros que possam contribuir para o bom desempenho do atleta.

A grande questão é que, em regra, o atleta se submete a custe o que custar, e o que preciso for para atingir o objetivo de chegar ao topo e ganhar sua desejada medalha; fama; busca pela recompensa dos esforços e tudo o que vem com as grandes conquistas.

Mas isso é atual? Sabemos bem que não. Segundo relatos do escritor Philostratus, desde há muito, na Grécia Antiga, por volta de 776 a.C., quando foi realizada a 1° Olimpíada da Antiguidade, os esportistas já utilizavam chás compostos por diversas ervas, ingeriam cogumelos, bebidas alcoólicas e testículos de animais para atingirem uma melhor performance.

Com o tempo, essas ações foram se aperfeiçoando e chegaram as substâncias químicas que auxiliam o desportista a atingir suas melhores marcas.

Em 1894, houve a criação do Comitê Olímpico Internacional (COI), em Paris na França, por iniciativa de Pierre de Coubertin, com a intenção de recriar os Jogos Olímpicos realizados na Grécia antiga. A ideia seria que fossem realizados de 4 em 4 anos, com a intenção de utilizar o esporte como instrumento para a promoção da paz, união e respeito, garantindo a todos a prática desportiva. E assim, em 1896, aconteceram os primeiros jogos olímpicos da atualidade em Athenas, como forma de homenagear a Grécia, onde tudo começou.

Foi durante estas Olimpíadas que nasceu o conceito de Fair Play (jogo limpo)[2], através do Barão de Coubertin com a frase: Não pode haver jogo sem fair play. O principal objetivo da vida não é a vitória, mas a luta. Considerado uma filosofia baseada em uma conduta ética, o Fair Play passou a ter relevância cada vez maior.

Há especulações que o primeiro caso conhecido de doping no esporte aconteceu em 1896, quando o ciclista inglês Arthur Vincent Linton, após ingerir drogas ilícitas, durante a corrida de 600 km entre Bordeaux e Paris, sofreu exaustão física e foi a óbito algumas semanas após.[3]

Porém, esse episódio e outros que ocorreram após, não foram suficientes para que o COI (Comitê Olímpico Internacional) tomasse uma atitude mais severa, e foi apenas após a morte por doping em 1960, do ciclista dinamarquês Knut Jensen, durante uma prova de 100Km pelo uso excessivo de anfetamina e em 1967, do também ciclista Tommy Simpson, por uso de álcool e anfetamina, que, criando a Comissão Médica do COI em 1967, instituiu uma lista de substâncias proibidas, passando a controlar o uso dessas substâncias no esporte.

Já em 1968, durante os Jogos Olímpicos da Cidade do México, iniciou-se o controle antidopagem e o 1° caso oficial de doping foi do sueco do heptatlo, Hans-Gunnar Liljenwall, que testou positivo para álcool (cerveja).

Mas, afinal, por que o atleta se motiva a utilizar uma droga que possa torná-lo mais rápido, forte, resistente, melhorando sua performance?

Há vários tipos de substâncias químicas que são utilizadas para o atleta melhorar sua performance. Os estimulantes como a pseudoefedrina, efedrina, cocaína e a anfetamina agem diretamente no sistema nervoso aumentando os níveis de atividades motoras e cognitivas. Já os anabolizantes, como por exemplo a testosterona, nandrolona e o estanozolol, são hormônios esteroides que promovem o desenvolvimento de tecidos, especialmente o muscular, e, se usados em excesso e a longo prazo causam efeitos colaterais graves. Os diuréticos como a furosemida, são usados pouco antes das provas para desidratar o organismo e diminuir a massa dos atletas e são úteis para mascarar os exames antidopagem. Os betabloqueadores, como o propanolol e o atenolol, atuam no sistema cardiovascular, diminuindo o número de batimentos cardíacos. E os hormônios peptídeos e análogos, como o hormônio do crescimento, a eritropoetina e a corticotropina, cujos efeitos variam de hormônio para hormônio.[4]

Pois bem, sabendo como as substâncias proibidas entram no corpo de um atleta, nos perguntamos: como um remédio que auxilia na diminuição das dores de cabeça, pode ser considerado doping?

Os medicamentos conhecidos por alguns nomes comerciais, tais como Neosaldina, Doralgina, Sualiv,entre outros, são um composto de dipirona sódica, cloridrato de isometepteno e cafeína, com atividade analgésica (diminuem a dor) e antiespasmódica (diminuem contração involuntária) indicados para o tratamento de diversos tipos de dor de cabeça, incluindo enxaquecas ou para o tratamento de cólicas.

O grande problema dessa composição para os atletas é constar o isometepteno, que age como estimulante e consta na lista de substâncias proibidas[5], classificado como Estimulantes S6 B, específicos, sendo que todos os constantes na lista, são substâncias proibida para uso em competições.

E o que significa uma substância ser proibida em competição ou fora dela? Significa que se a substância é proibida somente em competição, quando o atleta for testado fora de competição, e pode ser testado a qualquer momento, desde que componha a lista do grupo alvo de testes (GAT) da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD) e essa substância constar em seu sangue ou urina (dependendo do teste a ser realizado), não será considerado doping. Portanto, será considerado doping, somente se o atleta for testado durante a competição.

A Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD)[6] é a entidade responsável por controle de dopagem no Brasil e deve encaminhar todo o material colhido pelos Oficiais de Controle de Dopagem (DCOs) ao Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem, único laboratório certificado pela WADA (Agência Mundial Antidopagem) na América do Sul, localizado no Rio de Janeiro, para análise dos resultados do material coletado.

Caso o Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem detecte alguma substância proibida no exame realizado, deverá encaminhar o resultado para a ABCD, que deverá dar andamento ao processo, podendo chegar ao Tribunal de Justiça Antidopagem e o atleta ser julgado.

O trabalho realizado atualmente pela ABCD, CBF e demais Confederações Brasileiras em relação à educação antidopagem é intenso no intuito de conscientizar e esclarecer aos atletas as consequências de uma atitude impensada ao ingerir uma substância proibida, podendo ser penalizado e ter sua carreira comprometida.

Como integrante atual do Tribunal de Justiça Antidopagem recebo, juntamente com atletas, treinadores e qualquer pessoa interessada pelo assunto, treinamentos constantes da ABCD, que esclarece os procedimentos e orienta da melhor forma.

Consta do Código Brasileiro Antidopagem, que o atleta é responsável por tudo o que ingere. A ABCD e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), lançaram a plataforma Checkjogolimpo[7], onde podem ser encontradas todas as substâncias constantes na lista proibida da WADA, dando o suporte necessário aos atletas e comissão técnica, médicos e demais envolvidos, como instrumento de pesquisa, para que possam se sentir seguros para fazerem uso ou não do medicamento indicado.

Mas os medicamentos são insubstituíveis? Com certeza não! Os medicamentos usados como exemplo neste artigo, podem ser substituídos pela Dipirona, substância que atua na redução da sensibilidade para a dor e não contém em sua fórmula substância considerada doping para atletas. Assim como ocorre em outros casos de medicamentos que podem ser substituídos por outros protegendo o atleta de possíveis sanções.

Porém se não há outra opção a não ser o medicamento indicado para a solução de um problema de saúde do atleta? Para os casos específicos existe a Autorização de Uso Terapêutico (AUT), então médico e atleta devem preencher o formulário específico que consta no sítio da ABCD, anexar os documentos solicitados e encaminhar para análise. Existe uma comissão que analisa as solicitações (CAUT), é só o atleta aguardar o retorno e ficar tranquilo para poder usar o medicamento necessário.

Desta forma, deixamos clara a responsabilidade da equipe de apoio do atleta, técnicos, médicos, fisioterapeutas, preparadores físicos, pais ou responsáveis. Todos podem ser considerados coniventes com uma possível sanção, e também podem ser punidos.

A motivação para escrever este artigo é de esclarecer e alertar para os perigos das substâncias que o atleta ingere e a equipe que está por trás indica.

*O conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, sendo de total responsabilidade da Autora deste texto.


[1] Advogada na Advocacia Passos, Pós-Graduanda em Direito Desportivo pela ESA/SP. Membro filiada e Colunista do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo. Procuradora do TJD da Liga Paulista de Futsal e do STJD da Liga Nacional de Basquete, Secretária do STJD do Paraquedismo. Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/Araraquara.

[2] https://pt.wikipedia.org/wiki/Fair_play – acesso em 14/06/2022

[3] https://artigos.wiki/blog/de/Arthur_Linton – acesso em 14/06/2022

[4] http://allchemy.iq.usp.br/oqsp/OQSP-2017-2-PietroPalma.pdf – acesso em 14/06/2022

[5] https://www.gov.br/abcd/pt-br/composicao/atletas/substancias-e-metodos-proibidos/arquivos-lista-de-substancias-proibidas/lista-2021v-5.pdf  – acesso em 14/06/2022

[6] https://www.gov.br/abcd/pt-br/ – acesso em 14/06/2022

[7]https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiNGE4ZGQ5YzQtZjVhYi00OTZmLWE4MjAtNzBlNjBhMDBlNDcwIiwidCI6ImI2N2FmMjNmLWMzZjMtNGQzNS04MGM3LWI3MDg1ZjVlZGQ4MSJ9 – acesso em 14/06/2022

 

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