União Européia – Estado Atual e perspectivas

A UNIÃO EUROPEIA E O DESPORTO
Estado actual e perspectivas

A importância do desporto na sociedade europeia

O desporto converteu-se numa das actividades humanas mais praticadas. Quer seja a nível profissional ou amador, de maneira regular ou ocasional, milhões de pessoas participam nas diversas formas de actividades desportivas existentes na União Europeia.

O desporto pode melhorar o bem-estar físico das pessoas. Contribui para o desenvolvimento de um conjunto de aptidões úteis na vida quotidiana, tais como a resistência e o espírito de equipa.

O desporto reúne muitas pessoas em organizações e associações, nas quais se vêem activamente envolvidas em redes culturais onde praticam a responsabilidade democrática. O desporto permite uma aproximação entre culturas e nacionalidades diferentes, contribui para a integração social dos deficientes, e no seu âmbito, jogadores e espectadores convivem como iguais. Em suma, é um meio excelente para favorecer o entendimento entre as nações.

A função social do desporto foi destacada no Conselho Europeu de Viena, de 11 e 12 de Dezembro de 1998, que, nas suas conclusões, convidou a Comissão a apresentar-lhe um relatório para a cimeira de Helsínquia “na perspectiva da salvaguarda das estruturas desportivas actuais” e da “manutenção da função social do desporto no quadro comunitário”.

Mas o desporto também possui um significado económico importante. Trata-se de um sector onde poderão ser criados novos postos de trabalho e onde a UE poderá tirar partido do seu apoio aos investimentos em infra-estruturas, às novas tecnologias e aos programas de educação e de intercâmbio. Actualmente, existem possibilidades de emprego, em resultado da profissionalização do sector. O crescimento das clínicas desportivas, centros de enfermagem e novos estabelecimentos de tratamento, bem como o interesse crescente dos que procuram manter-se em boas condições físicas apesar do envelhecimento, jogam também a favor da criação de postos de trabalho.

O sector dos artigos desportivos, quer se trate de vestuário, equipamentos ou brinquedos, ilustra bem a estreita ligação existente entre o desporto e a indústria. Este sector emprega cerca de 40 000 pessoas, nos quinze Estados-Membros, e os fabricantes devem acompanhar atentamente a actividade da UE em diversos domínios: harmonização das normas, protecção dos direitos de propriedade intelectual e aplicação da política de concorrência. As suas actividades ver-se-ão igualmente afectadas pelo volume de artigos de desporto que a UE autorize importar, provenientes de diversos países em desenvolvimento, bem como pela legislação relativa às normas de concepção e de fabrico, à publicidade enganosa e às instruções de utilização.

O desenvolvimento progressivo da acção comunitária no domínio do desporto

O desporto não é mencionado nas disposições dos Tratados, exceptuando a recente introdução no Tratado de Amesterdão de uma declaração relativa ao desporto, onde se salienta o seu significado social e, em especial, o seu papel na formação da identidade e na aproximação das pessoas e se convida, por isso, as instituições da União Europeia a ouvir as associações desportivas, sempre que se coloquem questões importantes relacionadas com o mundo do desporto (incluindo o desporto amador).

As instituições europeias não têm, portanto, competência geral em matéria de desporto, mas a acção comunitária nesse domínio começou a assumir cada vez mais importância na sequência de um acórdão do Tribunal Europeu de Justiça proferido em 1974. Nesse acórdão, o Tribunal estabeleceu que o desporto depende do direito comunitário, enquanto actividade económica na acepção do artigo 2º do Tratado CE.

A acção comunitária desenvolveu-se posteriormente, ao longo dos anos 80, na vaga da “Europa dos Cidadãos” (relatório Adonnino, cujas recomendações foram adoptadas pelo Conselho Europeu de Milão, em 1985). O relatório Adonnino esteve na origem de acções de comunicação e de sensibilização do cidadão relativamente à sua pertença à Comunidade por intermédio, especificamente, do desporto. Desde então, a Comissão Europeia introduziu programas de comunicação através do desporto e associou-se a um grande número de manifestações desportivas.

O desporto nas políticas comunitárias

A par das actividades de controlo e aplicação do direito comunitário, a que a Comunidade Europeia não pode eximir-se, as diferentes políticas comunitárias constituem um meio privilegiado para demonstrar, no desporto, o valor acrescentado da acção comunitária.
Actualmente, é muito importante uma melhor coordenação das novas acções a favor do desporto, no âmbito de uma estratégia comum. Uma coordenação reforçada facilitará, como apontado pela declaração relativa ao desporto contida no Tratado de Amesterdão, um melhor contacto com os meios desportivos.

O desporto é, efectivamente, um domínio horizontal de intervenção de várias políticas comunitárias: livre circulação, reconhecimento mútuo, concorrência, saúde, audiovisual, cultura, educação, investigação, turismo, fiscalidade, prevenção do vandalismo, luta contra o racismo e a xenofobia, relações externas. Abordaremos, a seguir, a intervenção comunitária nos domínios, nomeadamente, da conclusão do mercado interno e da livre circulação, do reconhecimento mútuo, da concorrência, do audiovisual e da saúde.

Desporto, livre circulação no mercado interno, reconhecimento mútuo e liberdade de estabelecimento

Em 1995, o Tribunal Europeu de Justiça proferiu o acórdão “Bosman”, que confirmou o princípio da liberdade de circulação dos trabalhadores, na acepção do artigo 48º do Tratado CE, tanto para os jogadores profissionais de futebol como para os jogadores amadores, no interior da União Europeia e do Espaço Económico Europeu.

Esse acórdão prevê que, em caso de expiração de um contrato que vincula um jogador de futebol nacional de um Estado-Membro, o respectivo clube não possa impedir o jogador de celebrar um novo contrato com outro clube, noutro Estado-Membro.

O reconhecimento dos diplomas é, por outro lado, um elemento importante da liberdade de circulação. Neste contexto, as disparidades de formação entre os Estados-Membros, no domínio das profissões na área do desporto, são muito grandes. Esse facto explica alguns problemas que se têm colocado. O direito comunitário procura, assim, que os monitores desportivos que tenham recebido uma formação e qualificações profissionais reconhecidas num Estado-Membro da UE, possam vê-las reconhecidas num outro Estado-Membro, sem terem de passar por novas provas. Este sistema de reconhecimento mútuo destina-se, por exemplo, a permitir que professores de ténis qualificados, formados no Reino Unido ou na Áustria, ensinem ténis em França ou na Itália.

A liberdade de estabelecimento de um clube noutro Estado-Membro também é um elemento importante da livre circulação. Esta foi recentemente invocada, com base no artigo 52º do Tratado CE, por alguns clubes de futebol que desejavam instalar a sua sede social num Estado-Membro que não o de origem, embora continuando a jogar nas ligas a que pertencem.

O desporto e o audiovisual: televisão e comunicação comercial

A comunicação comercial e, em especial, o patrocínio de actividades desportivas, constitui uma outra actividade importante ligada ao mercado interno.

A televisão constitui a principal fonte de financiamento do desporto profissional, na Europa, em virtude da grande importância das comunicações comerciais no domínio desportivo. Determinados desportos, tais como o futebol ou a Fórmula 1, alcançam níveis de audiência extremamente elevados, o que justifica a importância que os anunciantes atribuem a esses acontecimentos. Muitos organismos de radiodifusão televisiva estão dispostas a pagar verbas consideráveis para obterem o direito de retransmitir, com carácter de exclusividade, os desportos apreciados pelo grande público.

É por isso que a directiva “Televisão sem fronteiras” prevê a possibilidade de os Estados-Membros estabelecerem uma lista de acontecimentos cuja transmissão seja de acesso não condicionado, em função do interesse geral de cada um deles.

A retransmissão de acontecimentos desportivos e, em especial, a cessão de direitos exclusivos de radiodifusão é uma actividade comercial sujeita à aplicação das regras do direito comunitário da concorrência. A cessão de direitos exclusivos de radiodifusão é uma prática comercial estabelecida e aceite.

Desporto e política de concorrência

A estreita interdependência entre os aspectos socioculturais e os aspectos económicos do desporto aumenta a complexidade da aplicação das regras da política de concorrência ao desporto, enquanto conjunto de actividades económicas.
Os princípios gerais que presidem à aplicação das regras de concorrência às actividades económicas geradas pelo desporto são os seguintes:
• primazia do interesse geral em relação à protecção dos interesses privados;
• limitação da acção da Comissão apenas aos casos que apresentem interesse comunitário;
• aplicação da regra de minimis, segundo a qual os acordos de menor importância não afectam de forma sensível o comércio entre Estados-Membros;
• aplicação dos quatro critérios de autorização consagrados no número 3 do artigo 85º do Tratado CE, mas prevendo a impossibilidade de eximir os acordos que violem outras disposições do Tratado e, em particular, a liberdade de circulação dos desportistas;
• definição dos mercados de referência com base nas regras gerais aplicáveis, mas adaptadas às características próprias de cada desporto.

Tal como era realçado no documento da Comissão sobre o desporto e a concorrência, de 24 de Fevereiro de 1999, a política comunitária neste domínio ainda não está suficientemente desenvolvida para responder a todas as questões que estão na ordem do dia. Essas questões dizem, nomeadamente, respeito ao princípio de organização do desporto numa base territorial nacional, à criação de novas organizações desportivas, à deslocalização dos clubes, à proibição de organizar competições fora do território autorizado, ao papel regulador dos organizadores de acontecimentos desportivos, aos sistemas de transferência de jogadores nos desportos de equipa, às cláusulas de nacionalidade, aos critérios de selecção dos atletas, aos acordos de bilheteira no âmbito do Campeonato do Mundo de futebol, para evitar abusos de posição dominante, aos direitos de radiodifusão, ao patrocínio e à proibição de os clubes pertencentes ao mesmo proprietário participarem nas mesmas competições.

Desporto e saúde pública na UE: a luta contra o doping

O Conselho Europeu de Viena, de 11 e 12 de Dezembro de 1998, depois de ter manifestado a sua preocupação perante a dimensão do problema do doping, salientou, nas suas conclusões sobre o desporto, “a necessidade de uma mobilização a nível da União Europeia”. Para tal, convida os Estados-Membros e a Comissão a examinarem, em conjunto com as autoridades desportivas, “as medidas que poderão ser tomadas para intensificar a luta contra este flagelo, nomeadamente através de uma melhor coordenação das medidas nacionais existentes”.

Os escândalos ligados ao doping que se verificaram em 1998 no Campeonato do Mundo de Natação, na Austrália, na Volta à França em Bicicleta e num laboratório italiano colocaram, com efeito, o problema, como já foi sublinhado no Conselho informal de Bona de 18 de Janeiro de 1999, da harmonização das legislações anti-doping em todos os países da União, designadamente a nível dos controlos e das sanções desportivas, e do reforço da cooperação entre a Justiça, a polícia e as autoridades aduaneiras em matéria de luta contra os traficantes e outros fornecedores de produtos dopantes.

Tudo isto pressupõe uma política coerente no interior da UE, não somente a nível do mercado interno mas também da protecção da saúde pública.

É, pois, necessário, reforçar a cooperação entre os Estados-Membros, a nível da investigação, da prevenção, do acompanhamento médico dos desportistas e da luta contra os traficantes, com vista a harmonizar os controlos anti-doping e as sanções desportivas previstas.

Neste aspecto, em resposta aos escândalos que abalaram o movimento desportivo, o Comité Olímpico Internacional (COI) organizou em Lausanne, de 2 a 4 de Fevereiro de 1999, a Conferência Mundial de Luta contra o Doping no Desporto. No seguimento da conferência, a Comissão participou activamente nas negociações relativas à instauração de uma agência internacional de luta contra o doping. Cada reunião de trabalho com o COI foi sistematicamente precedida de reuniões preparatórias com os Estados-Membros organizadas pela Comissão. Esta estratégia permitiu uma grande coerência na expressão das posições comunitárias. A Comissão prossegue igualmente as suas reflexões em matéria de luta contra o doping, no que diz respeito, nomeadamente, ao tipo de instrumentos mais adequados a nível comunitário.

Acções comunitárias e programas

Entre 1995 e 1998, a Comissão Europeia implementou o programa “Eurathlon” com o objectivo de apoiar actividades de organizações desportivas. Um acordão do Tribunal de Justiça relativo à necessidade de um fundamento jurídico para cada rubrica orçamental obrigou a Comissão a suspender o programa.

Contudo, isto não significa que os projectos provenientes de organizações desportivas tenham deixado de poder beneficiar do apoio financeiro da Comissão; pelo contrário, tornou-se possível incluir o desporto em programas mais ambiciosos e mostrar a mais-valia que este poderá constituir no contexto da aplicação de diferentes políticas comunitárias, designadamente ao nível da coesão social, da integração das minorias e dos deficientes ou da aprendizagem de noções de cidadania activa e de democracia entre dos jovens.

O diálogo permanente entra a União Europeia e o desporto

Desde 1991 que o “Fórum Europeu do Desporto” é um ponto de encontro fundamental para a
realização desse diálogo, contribuindo, assim, para uma melhor coordenação entre o mundo do desporto e a Comissão. O Fórum reúne pessoas associadas ao desporto, provenientes dos ministérios nacionais e de organizações não governamentais, bem como representantes de federações europeias e internacionais.

O Parlamento Europeu também desempenha um papel essencial, estabelecendo uma ligação entre o sector do desporto e a União. A responsabilidade de manter estes contactos incumbe principalmente à Comissão para a Cultura, a Juventude, a Educação e os Meios de Comunicação Social do Parlamento. No entanto, a partir de 1992, um Intergrupo “Desporto”, constituído por membros do Parlamento Europeu de diversos partidos, tem-se reunido regularmente para analisar as repercussões dos novos acontecimentos relacionados com o desporto na UE.

A importância do diálogo com o mundo desportivo foi novamente sublinhada na declaração sobre desporto do Tratado de Amsterdão, que serviu de base à realização da “Assembleia do Desporto” em Olímpia (Grécia), em Maio de 1999. Tal como o Fórum Europeu, estes encontros constituem um meio de diálogo reforçado entre a União Europeia e o mundo desportivo (confederações desportivas europeias e internacionais, comités olímpicos nacionais, canais televisivos públicos e privados, organizações não-governamentais). As conclusões da assembleia de Olímpia foram apresentadas pela Comissão na Cimeira de Paderborn, de 31 de Maio a 2 de Junho de 1999.

Conclusão

Tal como foi destacado no documento da Comissão “A evolução e as perspectivas de acção comunitária no desporto”, de 25 de Novembro de 1998, a Comunidade Europeia continuará a exercer a sua acção de controlo da aplicação do direito comunitário, reforçando os aspectos de informação e de diálogo com as organizações desportivas, em especial no que se refere às características concretas do desporto, que merecem ser tomadas em consideração no momento da aplicação das normas comunitárias. No que se refere à integração do desporto nas diversas políticas comunitárias, é conveniente pôr à prova a eficácia real das acções no terreno, bem como o valor acrescentado que uma acção à escala comunitária poderá proporcionar.

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