Yazaldes e o “doping administrativo”

Alexandre Mestre

“Yazaldes arrisca suspensão” – assim se titulava uma notícia na semana passada, publicada num diário desportivo nacional.

Interroguei-me sobre o que se estaria a passar com Yazaldes Nascimento, renomado velocista do Sport Lisboa e Benfica. Lendo o corpo da notícia percebi: trata-se de um caso de doping.

Dirá, porventura, o meu caro leitor: “pois se o atleta se dopou, acho muito bem que seja suspenso”.

Na realidade o atleta não se dopou. Mas ainda assim violou uma norma antidopagem. Confuso?

Vejamos, antes de mais, o que alegadamente se passou. Segundo a notícia, “Yazaldes Nascimento está em risco de ser suspenso por ter falhado, por três vezes, no prazo de 18 meses, o envio atempado da sua localização à Autoridade Antidopagem (ADoP).”

Ora, de acordo com o Código Mundial Antidopagem (CMA), o doping é definido como “uma ou mais violações de regras antidopagem”, sendo que a listagem dessas violações não compreende apenas aquilo a que mais se associa o doping, que é o consumo de substâncias proibidas ou o recurso a métodos interditos em vista de melhoria artificial do rendimento do atleta. Há, na verdade, outra tipologia de situações que consubstanciam doping, nas quais se inclui a que ora envolve Yazaldes.

Com efeito, e em conformidade com o CMA, a nossa “Lei da Dopagem” qualifica como uma “violação das normas antidopagem por parte dos praticantes desportivos ou do seu pessoal de apoio” uma “ausência do envio de informação correcta” relativamente à “localização dos praticantes desportivos”. E se na lei de 2012 se delimitavam as três falhas no envio durante um “espaço de 18 meses consecutivos”, agora, desde a alteração da lei publicada em Agosto de 2015, o período é reduzido para “12 meses” [fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][o atleta está, assim, mais protegido, designadamente na sua intimidade].

Na prática, um determinado tipo de atletas está obrigado, uma vez notificado pela ADoP, a “fornecer trimestralmente, e sempre que se verifique qualquer alteração, nas vinte e quatro horas precedentes à mesma, informação precisa e actualizada sobre a sua localização, nomeadamente a que se refere às datas e locais em que se efectuem treinos ou provas não integradas em competições.”. Se o atleta não fornecer essa informação por três vezes no prazo de um ano, tal constitui um ilícito disciplinar punido com a “sanção de suspensão da actividade desportiva” por “2 anos, se a conduta for praticada a título doloso” e “1 ano, se a conduta for praticada a título de negligência”.

Percebe-se a lógica do legislador: só sabendo “onde pára o atleta” é que é possível planificar e efectuar controlos surpresa, “fora da competição” (os mais dissuasores); um atleta deve estar localizável e disponível; se o atleta não der uma informação precisa sobre o lugar onde se encontra, pode dar-se o caso de, à revelia, consumir “substâncias dopantes”, mascarando-as para que não venham a ser detectáveis num futuro controlo “durante a competição” (falsificação do processo de controlo de dopagem); sem se ter “acesso” aos atletas, alguns destes podem evitar a recolha de amostras e ocultar uma infracção disciplinar.

Regressando à notícia, atente-se nas palavras de João Abrantes, o treinador de Yazaldes: “tratou-se, acima de tudo, de ‘esquecimento’ e ‘pouco cuidado’ do atleta neste importante pormenor burocrático a que, por lei, é obrigado. ‘Ele não falhou nenhum controlo antidoping e foi sujeito a vários ao longo da época, tanto após as provas como de surpresa’ (…) ‘Foi, sim, desleixo da parte dele e também algum azar, pois, segundo sei, os avisos da ADoP chegaram-lhe às mãos demasiado tarde e uma ou outra vez o seu atraso no envio da informação foi de minutos”, acrescentou o técnico, esperançado que as justificações do atleta determinem uma atenuação da pena. ‘Seria bem mais grave se ele não estivesse nos locais que havia indicado quando as brigadas do controlo lá se deslocassem’.”

Atenta esta explicação, não existirá dolo, mas sim negligência. E o atleta, aparentemente, não tem antecedentes. Ademais, e como também sublinha a notícia em apreço, “segundo se refere no site da ADoP, ‘o envio fora do prazo poderá ser considerado como uma falta menos grave do que a ausência de envio, no âmbito de um eventual procedimento disciplinar’”. Em benefício do atleta pode concorrer ainda a aplicação do “princípio da aplicação da lei mais favorável em matéria sancionatória” – enquanto não houver decisão final, transitada em julgado, e se os factos o permitirem [desconheço as datas dos factos em causa], aplica-se a nova lei (de 2015) e não a lei que vigorava à data dos factos (de 2012), analisando-se a conduta do atleta no espaço não de 18 meses consecutivos mas sim de 12 meses consecutivos.

Mas há ainda uma consideração a fazer, já fora do plano estritamente jurídico: este caso de Yazaldes é um caso isolado: ao mais alto nível, no alto rendimento, com atletas em preparação para uns Jogos Olímpicos, vão sucedendo situações como esta, com vários atletas, em diferentes modalidades. Pondo em risco participações e inerentes classificações relevantes. Sem que haja vontade de fazer batota, mas por puro “esquecimento”, por “pouco cuidado”, por mero “desleixo”… E assim o atleta não compete nem ganha e fica, para muitos, com o anátema de “dopado” sem sequer ter ingerido qualquer “substância dopante”; perdem ainda o seu pessoal de apoio, o seu clube, o seu país; perde o desporto nacional; perdemos todos, no fundo.

Nesse sentido temos de meditar e reforçar o apoio aos atletas, percebendo que estão focados, concentrados em treinar e competir, sem tempo e/ou vocação para lidar com tramitação administrativa. Todos somos poucos para, no quadro das nossas competências, ajudar os atletas, aconselhá-los atempadamente e com eficácia. Aí, sairemos todos a ganhar.

 

Fonte: sabado.pt[/fusion_builder_column][/fusion_builder_row][/fusion_builder_container]

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